
O mundo entrou em silêncio e em profunda reflexão após o anúncio sobre o falecimento do Papa Francisco, feito pelo camerlengo (administrador interino) do Vaticano, o Cardeal Kevin Farrell, que deu a conhecer que o Sumo Pontífice morreu nesta segunda-feira (21), às 07h35, em sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano, vítima de derrame cerebral (AVC) e por insuficiência cardíaca.
Apesar de muitos cristãos católicos chorarem a morte de seu líder, muitas pessoas LGBTQIAP+ se lembrarão do seu legado — embora, por vezes, falho — para criar uma Igreja mais inclusiva e acolhedora.
Em 2013, o Cardeal Jorge Mário Bergoglio, da Argentina, foi eleito o primeiro Papa das Américas, assumindo o nome de Papa Francisco I.
Inicialmente pouco conhecido no mundo, ele logo fez história ao suavizar significativamente a postura tradicionalmente conservadora da Igreja Católica em relação à homossexualidade.
Jorge Mário Bergoglio nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 1936, filho de imigrantes piemonteses: o seu pai, Mário, trabalhava como contabilista no caminho de ferro; e a sua mãe, Regina Sivori, ocupava-se da casa e da educação dos cinco filhos.
Francisco foi o primeiro jesuíta latino-americano a assumir o cargo papal, após a renúncia do seu antecessor, Papa Bento XVI. Também era carinhosamente chamado de o Papa do diálogo aberto, do apelo à paz e à reconciliação, defensor dos pobres e das minorias sexuais, por conta do seu compromisso total com o evangelho e com os direitos humanos.

A Igreja Católica Romana, desde a sua fundação como instituição, sempre excluiu as pessoas vulneráveis como os pobres, as crianças, as mulheres e, ao mesmo tempo, marginalizou/condenou as pessoas LGBTQIAP+, negando-lhes o direito de serem membros da Igreja. Entretanto, parecia que tudo estava acabado.
Contudo, após a tomada de posse do Papa Francisco, em 2013, a comunidade LGBTQIAP+ e o mundo em geral começaram a perceber que havia uma luz no fundo do túnel e que a esperança não tinha morrido, aquando do surgimento de novas reformas trazidas pelo Santo Padre, como é o caso da inclusão das pessoas LGBTQIAP+ na Igreja. Com isso, trouxemos as frases ditas pelo Pontífice à comunidade LGBTQIAP+ durante o seu reinado papal.
No mesmo ano, Francisco declarou que, embora actos homossexuais possam ser considerados pecaminosos pela Igreja, gays e lésbicas não devem ser discriminados ou marginalizados por quem são.
Em um documento de 2016, intitulado Sobre o Amor na Família, ele pediu o fim da violência e da discriminação anti-LGBTQIAP+. “Toda pessoa, independentemente da orientação sexual, deve ser respeitada em sua dignidade e tratada com consideração”, escreveu.
“Todo sinal de discriminação injusta contra gays e lésbicas deve ser cuidadosamente evitado, particularmente qualquer forma de agressão e violência…”, reforçou.
Em Maio de 2018, teve um encontro com Juan Carlos Cruz, um chileno transexual que foi abusado sexualmente durante anos por padres católicos. Na ocasião, ele disse: “Você precisa ser feliz com quem é. Deus o fez assim e o ama assim, e o Papa o ama assim.”
Dita em contexto privado, a frase foi vista como avanço histórico para a visão da Igreja Católica sobre a comunidade LGBTQIAP+. Segundo Juan Carlos, o Pontífice também pediu perdão “em nome do Papa e da Igreja e por ter causado tanta dor nos últimos meses.”
Em Junho de 2019, o Vaticano afirmou que “ideias como intersexual ou transgénero indicam uma ideia ambígua de masculino ou feminino” e que a liberdade de género “aniquila as noções da natureza.” A declaração foi dada através de um documento assinado pela Congregação para a Educação Católica, que guia todas as instituições educacionais do catolicismo e que, segundo especialistas, “reflecte os ideais do Papa”.
Intitulado Masculino e feminino foram criados por Ele, o documento de 31 páginas também defende ideias como a definição biológica como única para “o que constitui masculino ou feminino” e que médicos intervenham em pacientes intersexuais, mesmo contra a vontade dos responsáveis. “Essa oscilação entre masculino e feminino torna-se, no fim do dia, apenas uma demonstração ‘provocativa’ contra as assim chamadas ‘estruturas tradicionais’”, afirmou a Congregação.
“As pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família, porque são filhos de Deus, e possuem direito a uma família”, explicou o Papa Francisco durante entrevista a um documentário exibido no Festival de Cinema de Roma em Outubro de 2020. No filme dirigido por Evgeny Afineevsky, o Pontífice fez a afirmação enquanto defendia que os casais homoafectivos têm direito ao reconhecimento da união na esfera civil.
“Não se pode expulsar ninguém de uma família, nem tornar sua vida impossível por isso. O que temos de fazer é uma lei de convivência civil, eles têm direito a estarem legalmente protegidos. Eu defendi isso”, acrescentou.

Menos de um ano depois, isto é, em Março de 2021, após o Papa ter defendido a união civil entre casais homoafectivos, o Vaticano anunciou que a Igreja Católica não pode conceder a bênção a esses mesmos casais, alegando que “Deus não abençoa o pecado”, segundo o Papa.
O decreto tem autoria da Congregação pela Doutrina da Fé, escritório ortodoxo da Igreja, e foi assinado pelo Papa Francisco, em resposta à dúvida de um clérigo que pediu autorização para celebrar uniões de casais do mesmo sexo.
“Apoiem os vossos filhos se eles forem gays”, disse o Papa Francisco durante uma audiência semanal no Vaticano, em Janeiro de 2022, na qual falou sobre as dificuldades de criar uma família. Na mesma reunião, também se discutiram temas como “pais que veem orientações sexuais diferentes em seus filhos e como lidar com isso, como acompanhar os filhos e não se esconder por trás de uma atitude de discriminação.”
Na época, as declarações do Pontífice foram feitas na esteira de acusações sobre o seu antecessor, Papa Bento XVI, ter acobertado crimes de pedofilia na Igreja Católica, quando ainda era arcebispo na Alemanha.
Durante a sua participação em um podcast, em Julho de 2023, o Papa Francisco acolheu uma mulher transexual católica que se disse “dividida pela dicotomia entre a fé católica e a identidade transgénero”. “Deus nos ama como somos”, respondeu o Pontífice.
“O Senhor caminha sempre connosco… Mesmo que sejamos pecadores, Ele se aproxima para nos ajudar. O Senhor nos ama como somos, este é o amor louco de Deus.” O Papa também disse a famosa frase: “Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?” ao responder a uma pergunta específica sobre homossexuais.
Dois anos depois de dizer que “Deus não abençoa o pecado”, Francisco deixou aberta a possibilidade de abençoar casais homoafectivos, considerando o que chamou de uma “caridade pastoral” para aqueles que solicitarem a bênção. “Não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem”, disse Jorge Bergoglio.
“Quando se pede uma bênção, expressa-se um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para viver melhor”, acrescentou. A declaração foi feita em Outubro de 2023, em resposta a cinco cardeais conservadores na dúbia, uma espécie de canal de dúvidas em que o Pontífice recebe perguntas sobre temas variados.

Em Novembro de 2023, o Vaticano emitiu uma orientação de que pessoas trans podem ser baptizadas e tornar-se padrinhos ou madrinhas e testemunhar casamentos realizados pela Igreja Católica, desde que isso não gere “situações em que haja risco de gerar escândalo público ou desorientação entre os fiéis”.
A declaração foi sancionada pelo Papa e faz parte do Dicastério para a Doutrina da Fé. Foi emitida em resposta a uma pergunta feita pelo padre brasileiro José Negri, de Santo Amaro do Estado de São Paulo, que enviou, em Julho, questionamentos sobre o tema. Embora não se especifique exactamente o que seria um escândalo, a orientação mantém a ênfase maior de que pessoas trans ou seus familiares precisam seguir publicamente a fé católica para receber essas bênçãos.
No mês de Novembro de 2023, o Papa recebeu 1.200 pessoas para um jantar (com canelone recheado com ricota e espinafre, almôndegas e tiramisù no cardápio) em celebração ao Dia Mundial dos Pobres. Entre elas, estava o grupo de mulheres transexuais da região litorânea de Torvaianica, o mesmo que ele ajudou durante a quarentena do coronavírus.

“Nós, pessoas trans, sentimo-nos um pouco mais humanas, porque o Papa Francisco nos levar para perto da Igreja é uma atitude linda”, disse Carla Segovia, uma das trabalhadoras de sexo da Argentina que participou do evento, em entrevista à Associated Press. “Porque precisamos de um pouco de amor.”

No último mês do ano de 2023, o Papa Francisco assinou um documento doutrinário do Vaticano permitindo que padres católicos romanos possam administrar bênçãos a casais do mesmo sexo. A informação foi divulgada pela própria sede da Igreja Católica, segundo a qual as pessoas que procuram o amor de Deus não devem ser sujeitas a “uma análise moral exaustiva”.

De acordo com o documento, que reverteu uma decisão de 2021, as bênçãos não devem fazer parte de rituais ou liturgias regulares, nem legitimam situações irregulares. “Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar a sua confiança em Deus”, diz o texto, frisando também que elas são “um sinal de que Deus acolhe a todos.”
Em Março de 2024, em sua primeira autobiografia, Life: My Story Through History (Vida: Minha História Através da História, em tradução livre), o Pontífice fez um novo aceno à comunidade LGBTQIA+, reafirmando o seu desejo de uma Igreja Católica “que abraça e acolhe todos.”
“Penso nas pessoas homossexuais ou transexuais que procuram o Senhor e que, em vez disso, foram rejeitadas e afastadas”, diz Francisco. “Jesus andava ao encontro das pessoas que viviam à margem, e é isso que a Igreja deve fazer hoje com as pessoas da comunidade LGBTQIAP+”, acrescentou.
Em 20 de Maio de 2024, o Vaticano pediu desculpas depois de o Papa ter usado um termo homofóbico durante uma reunião com bispos. O episódio ocorreu durante um encontro fechado com os clérigos, em que o Pontífice afirmou que os seminários estão cheios de “frociaggine”, termo em italiano equivalente à linguagem angolana panina.
Apenas semanas depois, ele teria repetido o uso de expressões homofóbicas em outra ocasião privada. De acordo com a ANSA, Francisco repetiu o termo “frociaggine” ao se encontrar com padres romanos, dizendo que “há um ar de panina no Vaticano” e que era melhor que jovens com tendência homossexual não fossem autorizados a entrar no seminário.
Em Agosto de 2024, o Papa Francisco encontrou-se com activistas LGBTQIAP+ de Uganda e teria dito a eles: “A discriminação é um pecado e a violência contra pessoas LGBTQI é inaceitável.”

No início de 2025, o Vaticano também indicou uma maior abertura para admitir homens gays no sacerdócio, desde que permanecessem celibatários, como também é exigido dos padres heterossexuais.
O director executivo do grupo católico LGBTQIAPN+ americano New Ways Ministry, Francis DeBernardo, lamentou a morte do Papa, considerando-o “um presente para a Igreja e para a comunidade LGBTQIAP+.”
Pese embora tenha reconhecido as falhas cometidas pelo Pontífice, DeBernardo afirmou: “A sua incompreensão e caracterização errónea da identidade de género não impediram, contudo, o Papa Francisco de estender a mão com compaixão às pessoas transgénero, pedindo continuamente que as pessoas respeitem a dignidade humana inerente dessas minorias.”
“Com palavras simples e gestos gentis, o Papa Francisco moveu poderosamente a Igreja Católica a tornar-se um lar mais acolhedor para pessoas LGBTQIAP+”, acrescentou.
DeBernardo expressou esperança de que “o nosso Deus amoroso, que é um Deus de justiça e igualdade, continue a abençoar-nos, estendendo a mensagem acolhedora e inclusiva de Francisco no próximo papado.”
Desde a existência da Igreja Católica, nunca houve sequer um Papa além de Francisco que fosse tão sensível à inclusão e à diversidade. Neste momento, já estão a ser divulgados os nomes de vários concorrentes para ocupar a “cadeira papal”.
Segundo a notícia publicada nesta segunda-feira (21), pelo site de notícias euronews, que falava sobre os candidatos para o próximo conclave, que terá lugar na Capela Sistina, em Roma, dentre os sete candidatos, o nome que mais soa com maior esperança de ser o sucessor do Papa Francisco é o Cardeal guineense Robert Sarah, de 79 anos.
Lamentavelmente, o Cardeal Robert Sarah é extremamente conservador e, caso seja eleito, os direitos das pessoas LGBTQIAP+ na Igreja Católica serão negados, e haverá um tremendo retrocesso nas reformas deixadas pelo Papa Francisco, com forte impacto negativo a nível mundial.