A indústria de casamentos é provavelmente uma das maiores indústrias do mundo. Gerando anualmente mais de 30 bilhões de dólares, segundo os dados da Future Market Insights (FMI) estimasse que até 2033 o mercado global dos casamentos passará a gerar mais de 103 bilhões de dólares por ano.
E em Angola esse cenário não será diferente. Em um mercado dominado totalmente por mulheres, Walter Diogo da Costa, ou simplesmente Walter Costa (como é popularmente conhecido), é provavelmente um dos poucos rapazes em Angola responsável a materializar o sonho de quase todo casal, a realização da sua festa de casamento.
“Sem falsa modéstia, eu acredito que sou o rapaz com mais visibilidade dentro dessa área”
O actual cenário económico angolano tem sido um verdadeiro desafio para os empreendedores angolanos, com a queda consecutiva do valor da moeda angolana no mercado internacional, a inflação, jamais imaginada no país, tem sido o verdadeiro Quilimanjaro no sapato dos empreendedores e comerciantes angolanos.
Esses factores são de longe algumas das principais razões da violência económica e exclusão das pessoas LGBTQIAP+ no ramo do empreendedorismo e no mercado de trabalho, mas também, tem servido para testemunharmos como os momentos difíceis fazem surgir indivíduos com bastantes criatividades.
Da ideia às acções, das acções à materialização, Walter Costa tem se firmado como o grande responsável pela materialização daquela que é, para muitos, a noite mais importante de suas vidas, a noite de seus casamentos.
Walter Diogo da Costa, ou simplesmente Walter Costa, é um jovem de 36 anos de idade, primeiro filho de 3 irmãos, estudante universitário no curso de Gestão de Recursos Humanos, é actualmente um dos Wedding Planner mais badalado do nosso mercado.
Tendo a sua própria empresa de assessoria de eventos, Walter é também um dos membros do primeiro grupo de organização de festas Queer em Angola, The Divas.
“O baile cultural de alguma forma foi por causa desses pensamentos, nós pensamos em trazer no baile o máximo possível da cultura Queer”
Walter Costa, começou a dar os seus primeiros passos no empreendedorismo quando decidiu passar a organizar eventos de casamentos de forma rentável -algo que outrora fazia apenas para familiares e amigos a custo zero-. Daí que pensou criar uma empresa de assessoria de eventos para a área de casamentos, por acreditar que casamento é a festa mais elegante que existe.
Enquanto conversava com à Queer People, o Weeding Planner contou sobre o início da sua vida profissional, futuros investimentos e como tem sido a sua desenvoltura no mercado.
Em que área estás a empreender hoje?
“Actualmente eu tenho uma empresa de assessoria de eventos na área de casamento. Emprego 4 pessoas directas e mais de 15 colaboradores para montagens de eventos. Como funciona a assessoria de eventos? Weeding Planner entra a partir do momento que os noivos decidem casar (risos). Desde as escolhas do espaço, fornecedores de decoração, do fato do noivo, do vestido da noiva e dos convites… Tudo isso fica na nossa responsabilidade! Então basicamente tu tens o sonho e nós realizamos. Tudo relacionado ao casamento a gente trata, muita gente acha que é só do nada chegar e fazer! Não! É todo um processo para ter a perfeição. Eu costumo a dizer aos meus noivos que, o que eles têm de se preocupar é apenas em arranjar o dinheiro (risos).
Tiveste a oportunidade de investir em outras áreas?
“Não vou dizer que não! Mas até certo ponto não fiz por que tive um certo receio. Eu não faço nada que eu não entenda, eu tenho a preocupação se eu começar a fazer uma coisa é por que realmente eu entendo sobre isso. Claro que não vou saber tudo, mas eu tenho de ter noções, as bases da coisa ou do serviço que eu quero prestar, então por isso ainda não investi, ainda não estou a fazer nada em uma outra área ou para um outro negócio”.
Já pensaste entrar no campo da moda?
“Teve um período da minha vida que eu trabalhei com moda. Em 2012 fui viver no Lubango e tranquei a faculdade, o meu melhor amigo disse antes: `não estás a fazer nada em Luanda, trancaste a universidade vem para aqui´. Aí eu fui!
Eu lembro que lhe disse: `
eu tenho 700 dólares, quando os meus 700 dólares acabarem eu volto´, e vivi 6 anos no Lubango (risos). Claro que não poupei aquele 700 dólares (risos), e o meu amigo Angélico Costa, que vocês conhecem muito bem... Tinha uma rede de casinos que estava ali na cidade (Lubango), eu e uma amiga conhecíamos o pessoal que estava a montar aquilo e eles criaram uma agenda cultural para o casino e esses mesmos amigos disseram: `epha, vocês conhecem as meninas todas da cidade! Criem qualquer coisa para trazerem beleza e moda para o casino`. Nós decidimos fazer um desfile de moda, isso eu com algumas amigas, fomos atrás de alguns lojistas e fizemos um desfile. Isso foi eu e essa amiga, depois entrou o Angélico, e num belo dia, decidimos ao invés de nós só fazermos os desfiles, iríamos criar uma agência de modelos. Abrimos uma agência de modelos com o nome Victória Secret. Inicialmente se chamava Victória porque a minha amiga chamava-se Victória, mas depois tiramos o Victória ficou só Secret”.
Porquê que tiraram o nome Victória?
“Por que a impressão que dava era que, era uma agência de uma só pessoa, quando na realidade éramos três. Então ficou só a Secret. A Secret Model! E ficamos ali um tempo com a Secret, fizemos bons eventos, criamos o Moda Lubango, tivemos 3 ou 4 edições se não estou em erro.
Trabalhamos muito com isso, só que depois chegou uma altura que o Lubango deixou de ser o meu paraíso, e eu decidi voltar para Luanda. O Angélico continuou com a Secret, mas depois de algum tempo ele também vem para Luanda e, a continuidade da agência acabou por ficar nas mãos de alguns membros que na altura já faziam parte da agência… Então, teve sim um período que eu estava ligado a moda”.
Onde nasceu ou surgiu a ideia de empreenderes na área de realização de eventos para casamentos?
“Quando brotou a semente eu não sei te dizer, mas desde muito cedo eu sempre fui apaixonado por casamentos, como convidado ou a ajudar na organização, e eu já fazia isso, e fazia para amigos, para familiares. Em 2016 ou 2017, uma amiga minha do Lubango, que eu já tinha ajudado a fazer as festas dela, ligou para mim, eu lembro que eu estava no Brasil e ela ligou, `óh Walter, fulana vai casar e nós precisamos de ti…´, e eu fui para o Lubango e tratei do casamento dessa amiga.
Eu já não vivia lá e, se eu não estou em erro, fiquei três semanas directas no Lubango a montar tudo, e eles deram-me a liberdade para montar tudo. Aquela foi a primeira vez que fui remunerado por fazer aquilo, e foi a primeira vez que eu me vi naquilo… Só que depois eu voltei a parar, fiz mais um evento devido mesmo a esse evento da minha amiga, saí de lá com mais uma actividade, já aqui em Luanda tinha meu trabalho e correrias e tudo mais.
Há 3 anos uma amiga minha iria se casar e eu estava sem dinheiro para ajudar financeiramente de alguma forma, por que é uma amiga muito próxima. Eu disse: `olha, estou sem dinheiro, então eu vou cuidar de tudo relacionado ao casamento, desde o princípio até o dia seguinte´. E o casamento dela, em específico o casamento da Rosário, despertou e trouxe-me um entendimento da área, por que de repente eu dei conta, que por mais que é uma área que não é meu trabalho, eu conheço todo mundo dentro dessa área.
Tem como isso funcionar para mim? Sim, é uma coisa que eu gosto, eu conheço quem movimenta essa indústria, e por quê não?… E dentro disso tive a influência dessa mesma amiga, Rosário, e tive a influência de um amigo que sem sombras de dúvidas, que se não fosse ele, se não fosse da forma que ele me impulsionou, isso talvez não teria funcionado, o Sidney Jorge… O Sidney foi quem me impulsionou a mil mesmo, e sem medo de errar eu posso dizer se não tivesse sido da forma como ele me impulsionou talvez o Walter da Costa da assessoria de eventos não existiria“.
Então podemos considerar que foi a partir daquele momento que conseguiste colocar em acção os teus sonhos?
“Sim! Foi a partir daquele período após casamento da Rosário, após falar sobre isso com o Sidney aí é que fui atrás da papelaria, legalizações, criar nome, criar a marca e graças à Deus, de lá para cá eu não parei… De lá para cá cresceu muito… De lá para cá só aumentou na clientela, na qualidade, no preço também que eu cobro hoje, a credibilidade, que graças à Deus eu tenho ganhado no mercado. Hoje dentro dessa área o meu nome já tem visibilidade, cada vez mais tem crescido“.
Tens investido na capacitação interna dos teus trabalhadores?
“Tenho sim! Forneço oportunidades de treinamentos ao meu pessoal a partir de uma empresa parceira que dão formações em várias áreas, e uma delas é a formação de organização de eventos. Um dos meus colaboradores já teve em duas formações deles. Também já fizemos três formações dentro da área especifica de actuação de cada um, a última terminou recentemente, e no geral até eu também estive a fazer estas formações. Então, tem aí um investimento sim para capacitar o pessoal que está comigo, senão não funciona“.
Como foram os primeiros perrengues que tiveste quando entraste na área de assessoria?
“Por incrível que pareça, desde que eu comecei a fazer isso, não sei se é devido a bagagem que eu já tinha, eu ainda quase que não passei por perrengue nenhum (risos), pois os meus perrengues são de coisas muito básicas. Agora coisa do tipo investir e não ter o retorno? Não! Não passei por isso e espero não passar nunca.
De situações muito graves? Não, não mesmo. Mas alguns dos principais perrengues que eu tive nos primeiros eventos foram por questões contratuais, de não conseguirem cumprir com os horários ou talvez não entregarem o trabalho na qualidade que foi acordada. Mas nada muito grave“!
Como está ser todo esse processo na qualidade de empreendedor?
“É muito desafiante, porque cada vez mais eu me sinto cobrado. Quanto mais o nome se expande maior é a responsabilidade, porque cada vez mais tem sido entregue um trabalho de qualidade… Cada vez mais tem que se estruturar como empresa… Como profissional naquela área… E é uma área que tu fazes eventos em maio de uma forma e em julho de outra. Então, tu tens de estar sempre a renovar, atento ao que está a se usar e o que não está a se usar, então toda essa repercussão que tem dado e a abrangência do nome também traz muita responsabilidade e mais trabalho. Mas eu tenho gostado cada vez mais desse desafio, e principalmente, eu tenho me sentido muito valorizado dentro do que tenho feito cada vez mais.
Olha, que é um mercado que é dominado por mulheres, rapazes são bem poucos, bem poucos mesmo, e sem falsa modéstia, eu acredito que sou o rapaz com mais visibilidade dentro dessa área, por que os nomes gerais são só mulheres”.
Porquê que dizes isso de forma tão ousada?
“Eu me conheço, conheço o meu trabalho e sei a qualidade do meu trabalho. Então, eu não preciso que alguém venha falar pelo meu trabalho, porque eu conheço o meu trabalho, eu sei que o meu trabalho é bom. Mas, falar isso para muita gente parece arrogância… O reconhecimento que eu tenho recebido principalmente no último ano, agrada-me muito mesmo, tenho sido respeitado cada vez mais quando o meu nome entra em pauta quando o assunto é assessoria de eventos”.
De que maneira conseguiste conciliar a vida académica com a vida profissional?
“No princípio foi muito complicado por conta dos horários, e fazer o que eu faço requer muito tempo, mas as coisas foram se encaixando meio que sozinhas, posso assim dizer. No princípio, não vou te mentir, foi mesmo difícil (risos). Depois as coisas foram acontecendo com muita facilidade e também porque tenho uma base de apoio muito grande desde familiares, colegas e os meus funcionários. Então, conseguimos sempre conciliar os horários para as coisas baterem certo“.
Quais são as tuas ambições como empreendedor?
“Dentro da área de assessoria de eventos, eu quero muito daqui a um tempo poder estar na lista dos tais nomes mais importantes dessa área. Eu quero ter mil empresas (risos), que eu consiga gerar muitos empregos e de preferência para a comunidade LGBTQIAP+. Eu quero poder investir em outras áreas e criar mais empregos, e principalmente para a comunidade LGBTQIAP+”.
Mas quais das áreas ambicionas investir futuramente?
“Eu gosto muito da ideia de investir em moda… E uma coisa que eu tenho na minha cabeça é de criar um centro de formação, mas para várias áreas que possa formar jovens para vida. Eu não saberia agora te dizer o que seria ao certo, mas o que eu acredito é isso, é um centro de formação para jovens e principalmente jovens Queer. Não teria uma especialização no caso, mas com vários cursos”.
Qual foi o teu maior desafio no empreendedorismo?
“O meu maior desafio sem sombras de dúvidas foi pela questão de eu ser um homem no campo dos casamentos, e no princípio muita gente não acreditava que um homem vai saber exactamente o que é preciso para ter uma festa de casamento bonita. O que é preciso ou que um homem saberia escolher os fornecedores certos, saberia escolher os vestidos certos, a maquilhadora certa, então, sem sombras de dúvidas foi o principal obstáculo que eu tive no princípio”.
Como conseguiste superar este desafio?
“A princípio com conversas, bem esclarecedoras, e depois mostrando realmente o trabalho. No início eu cheguei de perder alguns contratos quando descobriam que seria um homem que iria cuidar de tudo. Uma vez alguém, que por incrível que pareça também faz o mesmo trabalho que eu, desdenhou o meu trabalho, em uma festa de 240 pessoas onde todo mundo estava satisfeito, os noivos e os pais dos noivos todos satisfeitos, e ela era a única pessoa que via defeitos nas coisas…”
Como tem sido a relação com os seus clientes? Alguma vez já sofreste discriminação por parte dos clientes?
“Graças à Deus, e digo mesmo graças à Deus (risos)! E isso para toda minha vida e não só na questão profissional. Eu nunca senti isso, muito pelo contrário, como eu lhe disse no princípio, era pela questão de ser um homem nesse mercado que é dominado por mulheres. Mas, sentir ou passar por uma situação de preconceito pela minha sexualidade não, nunca a minha sexualidade foi motivo de me sentir ou de ver alguma coisa sobre.
Se alguém fingiu, fingiu muito bem! Até porque eu sou muito atento, mas não passei por isso e até agora espero não passar por isso. Uma coisa é, por exemplo, ouvir um comentário no dia de um evento, tem sempre um tio ou um primo que também querem se sentir dono de tudo aquilo e fazem algum comentário”.
Como tens lidado com o actual cenário do mercado angolano tendo em vista a crescente desvalorização da moeda angolana e a alta inflação?
“Tem sido, sem sombras de dúvidas, uma questão muito preocupante, porque é uma variação muito grande e dentro das necessidades que surgem para conseguir dar volta a isso. Tem sido muito complicado porque hoje tens um preço e amanhã já tens duas vezes mais, se eu não estiver organizado como empresa e com clientes que também têm noção da situação económica do país, acaba sendo muito complicado. Tem vezes que tem sido muito complicado por questões de divisas e ter que mandar vir coisas de fora do país, tem sido muito complicado”.
Como é a relação com a tua família?
“Eu tenho a melhor família do mundo, sem sombras de dúvidas. Eu costumo até a gozar com eles, `nós tínhamos que ser menos amorosos e talvez seríamos mais ricos´(risos). Eu sou de uma família que o querer de um é o esforço de todos, o bem-estar de um todos é o movimento que todos fazem para o fazer acontecer. Então, desde a minha sexualidade ao meu trabalho eu sou super apoiado pela minha família… E para piorar, eu sou o neto querido, sou o sobrinho querido, sou o tio querido (risos). Eles são sem sombras de dúvidas os meus maiores fãs, os que mais me impulsionam, os que mais estão aí, os que mais se preocupam, que mesmo sem entender ainda querem ajudar”.
Que conselho deixarias para aquelas pessoas, em particular as pessoas LGBTQIAP+, que estão a começar agora ou que pretendem entrar no mundo do empreendedorismo?
“Primeiro, que se capacitem, independentemente de que área escolherem, capacitem-se dentro dessa área, porque nós já temos um milhão de barreiras direcionadas a nós, mas quando tu chegas com conhecimento, sabendo o que realmente vais fazer, às portas se abrem e és visto de uma outra forma. Então, capacitem-se o máximo possível e não fiquem estagnados, não achem que por já terem feito a formação X e Y que já podem parar. Aprendam o máximo possível, aprendam sempre, porque só com essa formação é que vão conseguir fazer um bom trabalho”.