Activista pelos diretos das pessoas LGB(T)QIAP+, artista plástica, modelo, apresentadora, consultora e tudo mais que for possível incluir em seu currículo, Imanni da Silva é uma das maiores vozes da causa das pessoas Transgéneras, Transexuais e Travestis (Trans) em Angola, e 2023 serviu para provar isso…
“O M.E.S.T.A é um movimento fundado em 2019 que veio com o principal intuito de dar voz e visibilidade, e, defender os direitos de pessoas Trans em Angola”
Imanni da Silva tem trabalhado na defesa dos direitos das pessoas LGBTQIAP+ desde o início da última década, mas foi no final, propriamente em 2019, que Imanni decidiu formalizar um movimento de defesa e inclusão das pessoas Trans na sociedade, o Movimento Eu Sou Trans Angola… Com o reconhecimento público, chega o reconhecimento organizacional, Imanni assinalou um momento histórico na primeira edição da primeira premiação LGBTQIAP+ em Angola, se tornando na primeira pessoa a ganhar o prêmio de “Personalidade do Ano” na premiação “Queer People Awards 2023”.
“Pra mim ganhar o troféu de “Personalidade do Ano” foi um momento especial pois vem à mente todas as fases da vida que me levaram chegar até aqui, as conquistas e as batalhas até aqui ganhas”
Entrando na fase pós-pandemia, o ano de 2023 foi o ano do renascimento, o mundo ainda está a aprender a lidar com o novo normal onde a tecnologia demonstrou ser o factor X da sobrevivência da humanidade, e o movimento LGBTQIAP+ tem seguido o ritmo, adaptando as suas acções na actual realidade digital. Posando para as lentes do fotógrafo brasileiro, Luccas Martins, Imanni estampa a última capa da Queer People de 2023, e, conversa connosco sobre como foi a sua reação diante dos vários acontecimentos que a marcaram nesse último ano.
Como foi ter ganho o troféu de “Personalidade do Ano” na primeira premiação LGBTQIAP+ em Angola?
Para mim ganhar o troféu de “Personalidade do Ano” foi um momento especial pois vem à mente todas as fases da vida que me levaram chegar até aqui, as conquistas e as batalhas até aqui ganhas. O reconhecimento do nosso trabalho sempre é um estimulo e ao mesmo tempo um lembrete de que o que fazemos tem um impacto na vida das pessoas.
Diante do trabalho que tens desenvolvido na comunidade LGBTQIAP+, para ti qual é o reconhecimento mais importante?
Para mim, o mais importante seria o resultado deste trabalho, que seria estimular e inspirar membros da comunidade em acreditar que têm o direito de realizar os seus sonhos, e que sim, é possível ser o que quisermos e trabalhar, crescer e nos desenvolvermos como pessoa, cidadãos, profissionais. E que acima de tudo, que o estado possa reconhecer este trabalho e que o mesmo sirva de recurso na implementação de leis que defendam os nossos direitos e programas de inclusão.
A responsabilidade com o trabalho aumenta quando se ganha um troféu?
Sim, sem dúvidas. Pois a expectativa aumenta, mas não vejo como uma pressão e sim como uma ferramenta no qual se faz uso para continuar no processo desafiador de defesa de direitos, impacto social e de sensibilização.
O que é o Movimento Eu Sou Trans Angola?
O Movimento Eu Sou Trans Angola (M.E.S.T.A) é um movimento fundado em 2019 que veio com o principal intuito de dar voz, visibilidade e defender os direitos de pessoas Trans em Angola. Tem como projectos o empoderamento da comunidade e sensibilização social através de campanhas e capacitação dos profissionais das instituições de estado como na saúde, educação e na polícia. E trabalhamos em parceria com instituições estatais, organizações da sociedade civil e internacionais, e, embaixadas.
Qual é a relação da Imanni com o Movimento Eu Sou Trans?
Sou a fundadora e diretora geral, tenho a responsabilidade de firmar parcerias no qual fortifiquem o nosso trabalho e projectos, reconhecer os desafios e junto com a equipa criar programas que possam contribuir para minimizar os problemas que a afectam a comunidade Trans.
Actualmente quantos pessoas trabalham com a Imanni no Movimento Eu Sou Trans?
Actualmente somos um total de 6 pessoas, 4 mulheres Trans e 2 homens Trans. São pessoas muito especiais que se doam, percebem a filosofia do movimento e acreditam no poder e resultado do trabalho de equipa. Pessoas por quem sou grata pela entrega e compromisso.
Como é a relação da comunidade Trans com a polícia nacional?
Infelizmente ainda não é como gastaríamos, mas queremos mudar esta realidade triste pois, na nossa polícia, tal como em algumas instituições do estado, existe uma grande manifestação de crenças pessoais onde se exerce o abuso de poder, manifestando um grande nível de estigma e discriminação. Não posso generalizar mas acontecem algumas detenções arbitrarias e consequentemente a violência física, psicológica, e por vezes, até a violência sexual e econômica com tentativa de extorsão. Queremos combater este mal com formações junto da polícia nacional, cuja proposta já foi aceite e apenas dependemos de apoio financeiro para prosseguir e assim mudar esta realidade.
Quantos casos de prisão arbitrária o Movimento Eu Sou Trans já acompanhou até agora?
Aos que chegaram até nos durante ou após a detenção e de qualquer tentativa do mesmo, são mais de 10 casos, inclusive, dois com processo judicial.
Já teve algum caso que chegou de ir a tribunal?
Temos um que está há mais de um ano a espera de uma data. O outro houve desistência da vitima.
Quais são alguns dos maiores desafios que a comunidade Trans tem enfrentado em Angola, e, que avaliação a Imanni faz do actual ambiente jurídico e político em Angola para as pessoas Transgéneras?
Apesar dos avanços sobre reconhecimento da existência da comunidade LGBTIQA+, ainda existem algumas reticências. Não temos leis específicas de reconhecimento de pessoas Trans, e a distinção entre orientação sexual e identidade de gênero. Houve a criminalização da homofobia mas precisa existir sobre a Transfobia. Precisamos de campanhas de sensibilização social sobre orientação sexual e identidade de gênero, precisamos que as discussões sobre a inclusão de pessoas Trans no mercado de trabalho e no sistema de educação sejam mais abundantes. A lei de mudança de nome e gênero nos documentos, acompanhamento a nível da saúde, e acima de tudo, que possa haver abertura para que consigamos fazer chegar o conhecimento aos profissionais das mais diversas áreas do sector público.
Além de activista, Imanni também é artista plástica, e notamos sempre a interseccionalidade desses dois trabalhos em suas obras. Como é trazer essa ligação entre o ativismo e as artes plásticas?
Artistas têm o poder de trazer a sua visão do mundo através da estética e criatividade. O meu trabalho traz o feminino, a importância de ressaltar a mulher no ponto de vista geral. O universo feminino acolhe, provoca, atrai e fascina, seja como for a sua forma de manifestação. E eu manifesto isso com cor, textura, energia positiva e otimismo.
Já sofreste algum tipo de censura por conta disso?
Não necessariamente pelo trabalho em si, mas simplesmente por estes trabalhos terem a minha assinatura. Tenho consciência de que há certos espaços que não se querem associar ao meu nome, mas aos poucos vou desconstruindo isto a cada trabalho no qual através da critica e da imprensa o meu trabalho ganha notoriedade e projeção positiva. Agradeço a todos os espaços e profissionais que acolhem e olham para o meu trabalho pela sua qualidade e mensagem.
Como é a relação do público angolano com a arte da Imanni?
Tem sido bastante positiva e muitas pessoas manifestam isso sempre que oportuno. Para mim o público é o maior e melhor crítico no qual levo em conta com muita atenção e seriedade.
Recentemente estiveste a participar de um programa artístico nos Estados Unidos. Como foi esse período de residência artística?
O programa foi nos Estados Unidos através duma nomeação da Embaixada dos Estados Unidos em Angola. O programa teve como título “Mudança social através das artes” ,onde um total de 23 Países, com pessoas de várias áreas artísticas desde artes plásticas, teatro, cinema, musica e curadoria, fizeram parte. Foi uma experiência única e inesquecível, onde conhecemos espaços de impacto cultural como museus e casas de espetáculo, tal como pessoas e organizações que através de programas artísticos contribuem para mudanças socias e apoiam grupos específicos. Teve a duração de 3 semanas e estivemos em vários estados, desde Nova York, Indianápolis, Novo México e Colorado.
Como foi apresentar um programa televisivo direcionado para mulheres em um dos canais de TV mais assistidos de Angola?
Foi a realização de um sonho e uma verdadeira escola para mim...
Qual foi a reação do público?
Foi muito boa! E passados 8 anos, o público ainda se recorda e manifesta o seu agrado, o que me deixa muito feliz.
Recebeste apoio do público LGBTQIAPN+?
Recebi e recebo até hoje a cobrança de voltar a TV.
Surgiram várias especulações sobre o real motivo da tua saída do canal Zap Viva. Como te sentiste quando uma das tuas ex colegas, do programa que apresentavas, veio a público confirmar que a tua saída do programa foi por Transfobia?
Ao contrario do que o público possa pensar, eu já sabia do motivo da minha saída poucos dias depois do meu afastamento. Infelizmente, por falta de provas não poderia vir a público com acusações, pois também chegaram até mim nomes de potenciais provocadores deste afastamento. Lamento que a direção do canal não tenha sido honesta comigo desde o início, pois a minha reação seria diferente. Foram precisos 8 anos para que a verdade viesse a tona publicamente, e o facto do canal se manter em silêncio só comprova mais ainda a veracidade dos factos. Creio que pela minha dedicação e entrega ao canal, a direção deveria ter mais humanismo e consideração. A pergunta que não quer calar é: por que razão o canal enquanto canal, na altura privado, se submeteu a tal exigência? Que tipo de ameaça sofreram para ceder a tal pressão?
O que eu sei é que isso só me deu mais energia e gás para continuar, pois a minha vingança a cada ato de discriminação é de crescer, reerguer-me e fazer acontecer.
Veremos a Imanni da Silva novamente a comandar um programa televisivo?
É algo que realmente quero voltar a fazer, pois a TV é uma paixão.
O que podemos esperar dos trabalhos artísticos da Imanni em 2024?
Eu tenho projectos a nível de interpretação e teatro. Claro, sempre criando arte.
Que avaliação faz do actual cenário do movimento LGBTQIAP+ em Angola?
Um movimento que cresce e que vai se formando sempre com pessoas cada vez mais jovens, esclarecidas e com uma sede de mudança. Podemos fazer mais e melhor? Sim, sem duvidas, mas tudo a seu tempo.
O que esperas das próximas edições da premiação Queer People Awards?
Espero que cresça cada vez mais e que possa se tornar referência nacional e não só, a nível de reconhecimento dos membros da comunidade e seus aliados.
Que conselhos deixas para as pessoas Trans que estão na fase de transição?
Em primeiro, que haja o auto conhecimento sobre a sua condição, para que se percebam e possam se ir preparando para reeducar as pessoas a sua volta. Quem não se desesperem e se precipitem a nível de alterações físicas, é um processo gradual no qual merece ser feito com cautela, atenção e autocuidado. E que se possa informar e capacitar cada vez mais sobre a sua própria condição, sobre as leis, e, acima de tudo, sobre os seus direitos, pois, antes de tudo, somos seres humanos e cidadãos que merecem realizar sonhos e viver a vida despida de medos e inseguranças.