Ao longo da história, a arte tem sido um grande escape para as pessoas LGBTQIAP+ poderem expressar quem elas são de verdade.
Seja na música, na dança ou na pintura, indivíduos Queer têm usado a arte como um trampolim de representação política e cultural.
Osvaldo Nestor, é um jovem angolano empreendedor, de 25 anos, membro fundador do Quartet Drinks (empresa de coquetéis formada exclusivamente por jovens gays), que no último ano tem apostado nas artes cénicas.
Residente no município de Belas, segundo filho de 6 irmãos, Nestor, tornou-se no actual embaixador do projecto cultural “JÁ É” em Angola, após a sua formação no Brasil.
“Um dos momentos especiais para mim, foi quando fizemos o primeiro curta-metragem em que eu participei como um dos protagonistas“
Em conversa com a Queer People, Osvaldo Nestor comentou sobre como está a ser a sua nova jornada profissional no mundo da actuação e o que podemos esperar do seu futuro como actor.
Como surgiu o sonho de ser actor?
Na verdade, não digo que foi bem um sonho (risos)! Foi propriamente uma questão de oportunidade que eu tive (risos), porque nunca me passou pela cabeça ser actor profissional. Mas já pensei nisso, até porque eu já fiz teatro na escola algumas vezes, quando estava no ensino de base, mas foi há muito tempo…
Viste um sonho oculto a se materializar quando agarraste a oportunidade de ser um dos embaixadores do projecto “Já É”?
Sim, porque depois de eu ter participado da aula on-line do projecto, fizeram-me o convite. A princípio fiquei meio apreensivo, porque seria algo novo e assustador (risos)! Porque tu ficas com aquele receio de que irás a um lugar diferente. Mas eu digo sempre, que quando você quer fazer alguma coisa tu tens de ir atrás. Há oportunidades na vida que só nos aparecem uma vez, e se tu não souberes aproveitar ou agarrar, acabarás por perder a maior oportunidade da tua vida. Então, eu aceitei e fui para lá, aprendi muita coisa, eu não tinha noção que na representação existia tanta diversidade que nós não temos conhecimento. As pessoas pensam que representação é só você estar aí a fingir ser uma pessoa que você não é. Não é isso (risos)! Pois, é mais do que isso.
Você tem de encarnar um personagem, você tem de sentir tudo aquilo, basicamente você tem de dar vida naquele personagem… É tudo um processo, mas felizmente, estamos a conseguir caminhar e estou a conseguir realizar este sonho (risos). Espero eu, que com a chegada do presidente desse projecto em Angola, possam dar oportunidades a outros jovens de poderem realizar os seus sonhos também.
Quais foram os momentos marcantes que tiveste aquando as suas primeiras experiências no mundo cinematográfico?
Um dos momentos especiais para mim, foi quando fizemos o primeiro curta-metragem em que eu participei como um dos protagonistas, e era uma das coisas que a formação me ofereceu (risos). Eu fui um dos personagens principais do curta-metragem, pois foi algo que me deixou muito feliz e muito orgulhoso de mim mesmo (risos), porque era a primeira vez a contracenar e também a fazer uma gravação (risos).
A princípio, foi tudo meio novo! meio estranho (risos)! Mas felizmente, o trabalho foi feito e fui parabenizado pelas pessoas que estavam lá, e foi o momento mais gratificante que eu tive durante a minha estadia no Brasil.
Quantos curtas-metragens já participaste e quais dentre eles te identificaste mais?
Inicialmente, só foi uma (risos), mas espero que venham muitas mais (risos)! Isso foi neste ano, e foi em março. O curta-metragem ainda não está disponível, mas daqui a pouco já estará disponível para as pessoas poderem acompanhar. Após este curta-metragem, ainda virão outros projectos que estarão disponíveis também para o mercado nacional.
Uma das vantagens que o projecto vai oferecer as pessoas que irão se inscrever, é de terem a oportunidade de participarem em séries de carácter nacionais, que todos terão a liberdade de se expressar de todas as formas, não vamos ter restrições nem de cor, sexo, nem de orientações sexuais, porque como eu digo sempre, na arte não tem preconceito, todo mundo é bem-vindo!
Quanto tempo tens de carreira?
Olha, é tudo recente! Ainda não tenho nenhum ano (risos).
Como foi a experiência de estar em contacto com os actores e actrizes da TV Globo?
É uma sensação muito boa (risos)! Porque você sai de Angola para uma outra realidade. Então, é algo completamente diferente, por exemplo, eu tinha uma outra perspectiva ou uma visão sobre o Brasil de forma distorcida, e acho que a maior parte das pessoas têm essa visão. Mas quando cheguei lá, o cenário era totalmente diferente daquilo que nós vimos, e diferente que os médias nos mostram (risos). Por exemplo, os brasileiros valorizam e respeitam muito a cultura africana e nós não temos noção disso! Nós achamos que quando formos pra lá, vamos ser discriminados, que não foi o meu caso (risos)! Falo da minha experiência e não do que os outros viveram.
Pude conhecer actores da TV Globo e foi uma coisa surreal (risos)! Porque tinha pessoas que eu via à distância e admirava muito, e acabei por vê-las pessoalmente. Eu vi a Cláudia Raia… Teve um evento que eu estava e vi a Taís Araújo, mas não estive tão próximo dela. Então, você não tem noção como aquilo é maravilhoso e os actores que eu tive a oportunidade de ter contacto directo, falar e cumprimentar, são pessoas super simpáticas, super de boas (risos)! Então, tornaram todo esse processo, toda essa convivência, muito bom e é algo que eu vou guardar para sempre na memória e no coração.
Actualmente és o embaixador do projecto Já É em Angola. O que é o projecto Já É e como está a ser essa nova fase profissional?
O Projecto “Já É” existe no Brasil desde o ano 2000, e, eles me proporcionaram esta vivência cinematográfica. Fiz a formação e fiz o curta-metragem… A princípio, o director do projecto estava para vir para Angola neste ano. Numa conversa que eu tive com ele, foi decidido que tivesse alguém aqui a falar sobre o mesmo. Então, a ideia do projecto Já É em Angola é basicamente isso, é trazer um projecto que vai formar jovens no ramo das artes cénicas, que vai dar oportunidades aos jovens angolanos de ganharem mais visibilidades, porque nós vemos que a nossa comunicação é muito limitada e a maior parte dos cenários cinematográfico nacional também.
Comumente, as pessoas que nós vemos são sempre as mesmas, as oportunidades são muito reduzidas e se tu não tens um padrinho na cozinha, alguém que trabalhe nessas cadeias televisivas ou produtoras, tu não és visto. E como nós sabemos que aqui temos muitos jovens com bastante talento, muitas pessoas que esperam por uma oportunidades que nunca chega, e muitos, por vezes, não têm verbas para fazerem a formação porque também não é barata. O projecto vem exactamente com esse objectivo, de poder dar oportunidades as pessoas e especialmente aos jovens que querem fazer disso uma carreira.
O projecto dará essa formação e dentro dela, as pessoas vão ter oportunidades de trabalhar em séries de conteúdos nacionais, serem agenciadas e também de fazerem a formação no Brasil de uma forma mais aprofundada. Também queremos ver jovens angolanos a trabalharem na TV Globo, TV Record e na Netflix, dar essa visibilidade e mostrar Angola para o mundo. Com o projecto, também pretendemos actuar na área da cultura local, mostrar coisas boas de Angola, mostrar a beleza, a diversidade, cor… É exactamente isso que o projecto quer fazer aqui em Angola.
O projecto comporta apenas a dimensão cultural ou também contempla a dimensão social e de que forma?
Para além da dimensão cultural, ele alberga também a dimensão social. Primeiro, que é um projecto 100% gratuito, uma acção social que vai ajudar muitos jovens a saírem da criminalidade, a terem ocupações porque para além da representação, vamos ter outros ramos que é de direcção, roteiristas, figurantes… Digamos que é um conjunto de coisas porque são vários elementos, como é uma coisa gratuita onde as pessoas não vão pagar para terem acesso, então, basicamente actua de modo social para puder ajudar outros jovens a encontrarem caminhos para não ficarem perdidos.
O projecto é mais voltado as pessoas LGBTQIAP+ ou para o público em geral?
O projecto não é exclusivo a um público específico, ele é para pessoas, e como eu disse antes, nas artes não tem preconceito, todo mundo é livre, todo mundo é bem-vindo, não temos uma selecção de que só vamos receber o público heterossexual ou LGBTQIAP+, mas é para todo ser humano.
Como actor e embaixador do projecto cultural “Já É”, e uma vez empreendedor Queer, de que forma tens conciliado esses três lados profissionais?
Não é uma coisa fácil, não é mesmo fácil (risos)! Por exemplo, hoje nós tínhamos de estar aqui no horário marcado, mas não conseguimos porque tínhamos que resolver outras situações, porque fora o projecto “Já É” e fora a vida de actor, eu também tenho a minha vida como empreendedor e eu trabalho com eventos. Então, é muito complicado, tenho de fazer reunião com os clientes, tenho de fazer marcações, tenho de ir nas actividades, tenho de ajudar nas produções das coisas, na compra dos materiais, mas felizmente, estamos a conseguir conciliar as coisas. Às vezes tem havido atraso, ou imprevisto, mas está a dar para conciliar as coisas.
Como embaixador do projecto quais são os reais desafios que tens encontrado?
Olha, até desafios não digo muito (risos)! Na verdade, é uma responsabilidade muito grande. A princípio eu contava que as coisas pudessem acontecer de forma mais rápida, mas só que não estão a ser porque você sabe como o nosso país é, muita burocracia e acho que o maior empecilho é falar do projecto na televisão, é uma das coisas que mais dor de cabeça está a nos dar.
Que impacto teve quando ficaste a saber que a partir daquele momento passarias a ser o embaixador do projecto?
Em princípio foi uma coisa… Porque eu sou uma pessoa muito perfecionista em fazer as coisas e eu não tenho medo de fazer as coisas (risos), tem às vezes que eu cometo os meus erros e tenho os meus delizes. Mas eu não tenho de fazer as coisas, porque quando estou focado numa coisa eu faço e vou até ao fim, e se de alguma forma me confiaram esse trabalho ou me deram essa responsabilidade é porque as pessoas viram que eu tinha potencial para poder fazer ou gerir o mesmo projecto. É muita responsabilidade, mas é trabalho e todo trabalho é bem-vindo e se for algo para aumentar mais no meu conhecimento e dar mais visibilidade as outras pessoas e mostrar para o mercado nacional que ainda temos muito a trabalhar com relação as artes cénicas. Mostrar para os jovens que nem todo está perdido e que as oportunidades estão ali a chegar para muitas pessoas, então é que eu aceitei de bom grado e estamos aqui a trabalhar.
Consideras-te um empreendedor de sucesso?
Sim (risos)! Eu acredito que sou empreendedor de sucesso porque eu consigo notar o meu crescimento, tanto meu como dos meus colegas, não só a nível profissional, mas a nível intelectual também, porque se fores ver como nós éramos, a imagem antiga do Quartet Drinks, você vai achar que são empresas diferentes. Então nós temos que aprender a nos auto qualificar e aprender a aceitar e a sermos felizes com as nossas conquistas que, podem ser aquilo que não estamos a espera. Não atingimos ainda os nossos objectivos, porque o percurso ainda é grande, nós só estamos há três anos no mercado, e nesses três anos já conseguimos alcançar coisas que outras empresas que estão há mais tempo não conseguiram. Acredito sim, que podemos nos considerar empreendedores de sucesso.
Quais são as suas reais ambições como empreendedor?
As minhas reais ambições como empreendedor, é dar oportunidades a outros jovens para terem emprego. Nós sabemos que actualmente no nosso país os empregos estão muito difíceis, as pessoas não têm oportunidade de trabalhar. Há muitas pessoas por aí com qualificações, com responsabilidades e não conseguem se sustentar, não conseguem pagar a sua escolaridade, não conseguem trabalhar porque não há emprego, então, um dos objectivos que eu tenho como empreendedor é exactamente esse, de puder fazer crescer a nossa empresa e dar oportunidades a outras pessoas de puderem também trabalhar connosco, de terem as suas rendas e custearem as suas coisas, basicamente é também ajudar a sociedade a crescer.
Quais são as tuas ambições com o projecto “Já É”?
Uma das ambições que eu tenho, e é muito grande, é de ver actores angolanos a trabalharem a nível internacional e aparecerem nas maiores estações televisivas, nas maiores plataformas digitais, e acho que isso é uma das formas que me daria gosto ou prazer enorme de ver também, actores angolanos a trabalharem na TV Globo e na Netflix.
Gostaria que deixasses um conselho para todas as pessoas que pretendem ingressar no mundo do empreendedorismo e sobretudo às pessoas LGBTQIAP+ que desejam abrir um negócio, mas por conta da discriminação não conseguem dar avanço ao seu negócio.
O conselho que eu deixo é o seguinte: Geralmente, as pessoas reclamam sempre de oportunidades, eu digo sempre que as oportunidades não aparecem do nada, você mesmo é a sua oportunidade, nós também éramos pessoas desempregadas, não tínhamos trabalho, não tínhamos basicamente nada e nós decidimos juntar o útil ao agradável, criamos a nossa empresa e estamos aqui até hoje. Eu digo sempre, quando a pessoa tem foco a pessoa consegue, por mais dificuldade que você tenha, por mais obstáculos, tens de ir atrás do que você acredita sem prestar atenção nos comentários negativos, porque quando você quer você consegue, então é só ter foco e acreditar no seu próprio potencial, ir sem medo que você vai conseguir.