
Em entrevista à Voz da América, em 2019, a estilista Manuela Soares contou que o mercado da moda em Angola está a crescer, além de ter mais qualidade e ser mais competitivo.
De lá para cá, nota-se que o mercado da moda nacional tende a crescer cada vez mais, apesar
de certos desafios como a falta de fábrica têxtil forte, a dominância da moda ocidental e a desvalorização da moda local. Mas, ultimamente, temos percebido que há um aumento de
novos talentos, eventos e iniciativas colectivas, tanto quanto individuais, que visam valorizar a
produção nacional.
É notória a existência de jovens Queer angolanos a fazerem sucesso no mercado de moda,
sobretudo nacional, por conta da qualidade dos resultados dos seus trabalhos, expressando muita vivacidade na arte do bem vestir. Com o jovem Nícolas Marcos, não é diferente!
Bernardo Nicolau Pedro Marcos nasceu aos 2 de Abril de 2002, em Benguela. Segundo filho,
Marcos, actualmente, é modelo freelancer e estilista.
Em conversa com a Queer People, Nícolas Marcos, como é conhecido nas redes sociais, contou
sobre todas as suas experiências vivenciadas, tanto na vida pessoal como profissional, e mostrou de forma peculiar a visão que tem sobre a moda angolana.
Como foi a tua trajectória para entrar na moda?
Foi meio complicado, pois, foi na época da escola, e eu não gostava muito de estar igual aos outros. Até que certo dia, decidi fazer calças à minha maneira. Mas foi graças a um amigo, que pedia sempre que eu lhe ensinasse a fazer as criações idênticas as minhas, que passei a fazer para outras pessoas também. As pessoas começaram a pedir e eu não quis fazer, mas depois me veio a ideia de começar a comercializar e fazer recriações de outros artistas de fora, para vender aqui.
Já chegaste a trabalhar em uma outra área, antes de estares na moda?
Nunca tive um outro trabalho.
Tens alguém como referência dentro da moda nacional?
Tenho vários, mas são modelos de fora, porque sinto que a moda aqui é muito escassa, não
há àquela liberdade que eu preciso. Não me identifico com os modelos daqui, são mais os de
fora.
Há alguma motivo em especifico que faz com que não te identifiques com os modelos nacionais?
Eu acompanho um ou outro, mas desde sempre tive algo na minha cabeça: que os modelos daqui são muito limitados, não têm àquela liberdade.

Tendo em conta a inflação cambial que se vive hoje, será que o teu negócio tem sido
rentável?
Nem tanto.
Sabendo que a situação económica do país não tem sido favorável para os empreendedores,
que mecanismo tens usado para manter em pé o teu negócio?
Procuro inovar, e também ver o mercado.
Quem é o teu maior fornecedor?
É o Erickson Baptista.
Há mais outros fornecedores além dele?
Não, só mesmo ele.
As roupas são totalmente dos fardos ou fazes misturas?
São totalmente dos fardos, pego numa praça à outra, mas são totalmente dos fardos.

Os teus serviços têm sido satisfatórios para os consumidores?
Têm sim, há boa qualidade. Às vezes, há uma reclamação ou outra, mas não é uma coisa
assim grave, talvez o aumento da cintura, mas não é aquela reclamação que vão dizer “ah, não
vou comprar mais.”
Os preços dos teus produtos são para todos os bolsos?
(risos) a meu ver sim, porque eu quando trabalhava sozinho eu dava certos preços baixos que eu não tinha em conta, porque não tinha a amabilidade de empreender, pois estou a começar agora. Então, isso estou a aprender agora, por isso, que houve a necessidade de ter um investidor e com ele tivemos que subir o preço das coisas, e fazer o orçamento de tudo.
Qual é o preço mínimo das roupas que produzes?
O mínimo dos mínimos são 8.000,00 kz para pastas. Mas, falando de calções são outros
preços… Bom, as calças mais difíceis de se fazer estão no valor de 25.000,00 kz e as menos difíceis estão a 20.000,00 kz. Antes vendia 10.000,00 a 15.000,00 kz, então, como eu já disse,
por causa dessa necessidade de empreender, tivemos que fazer orçamento de tudo e subir os preços.
O teu negócio tem gerado lucros satisfatórios nestes últimos tempos?
Nestes últimos tempos não, porque eu estou meio parado, porque estou a resolver um
assunto…
Quais são os critérios que usas para selecção de outros modelos para desfilarem com as suas
roupas?
Epá! Para mim, altura não importa muito, porque eu ainda não sou um profissional. Normalmente, as agências pedem que mínimo um rapaz tem de ter 1,80 de altura, então, eu não tenho como estar a pedir essa altura porque eu sei que há pessoas que precisam de uma oportunidade. Para mim, é mais o ‘catwalk’ (desfilar), ter um andamento assim meio andrógino, meio fora do padrão, prontos (risos)!
Entre ser modelo freelancer e estilista, qual das profissões tem sido mais rentável?
De momento, é o de estilista. Antigamente era mais o de modelo freelancer, neste momento
como não há muito trabalho de modelo freelancer, então, tive de me reinventar como estilista.
Consideras-te um modelo comercial de referência?
Eu acho que sim (risos)!
Há quanto tempo estás a desenvolver o trabalho de estilista?
Há bem pouco tempo, profissionalmente não mais que 1 ano, talvez sim, mas domínio sobre isso acho que estou há meses, porque eu não levava muito a sério isso, mas desde que comecei a ter clientes, então, tive que levar a sério.
Tens recebido solicitações de parcerias com agências de moda para o uso dos seus
trabalhos?
Não, infelizmente, não!
A tua família apoia-te nos teus trabalhos?
Alguns sim e outras nem tanto… contei aos meus pais que eu ia fazer isso, mas a minha mãe é muito de tirar pedra (risos), e começou a dizer “Eu não tenho dinheiro” nucequê nucequê (risos). Contei que iria investir por conta própria.
Mas o meu pai reagiu de boa (risos)! Não liguei muito para o que a minha mãe disse porque eu já esperava aquela reação.
Durante todo esse tempo que vens desenvolvendo os teus trabalhos, já te sentes capaz de
empregar pelo menos uma pessoa?
Ainda não, assim como já havia dito, ainda não tenho domínio sobre a parte da gestão, principalmente a parte financeira. Eu sou mais da parte criativa, e se não tiver alguém para cuidar dessa parte enquanto não tenho maior domínio dessa área, não vai dar certo.
O público Queer tem sido o maior consumidor dos teus trabalhos?
Não são a maioria, mas representam uma boa parte.
Então, o público heterossexual tem sido o maior consumidor?
Sim.
Que desafios tens encontrado no mercado da moda?
Acho que tem sido o preconceito. Não só por ser Queer, mas pela forma de vestir. Eu acho que muitos ainda não estão acostumados com coisas fora do padrão e ver pessoas criando os seus estilos de forma diferente.

As pessoas quando veem a tua performance, chegam a marginalizar-te?
Creio que sim, mas das vezes que saí com certos looks, na minha cabeça só tinha duas coisas: “Quando alguém olhar para mim eu não darei atenção”.

Como modelo e estilista, o que pensas fazer daqui a alguns anos?
Como modelo espero estar em grandes passarelas a estrear com marcas grandes. Como estilista, eu penso criar algo novo como sempre, mas algo jamais visto aqui em Angola.
Como tem sido a tua relação com outros profissionais de moda?
Tem sido óptima.
De que forma usas as tuas redes sociais para engajar e atrair os teus clientes?
Por meio das fotos artísticas, é isso que chama mais atenção do meu público.

A história de Nícolas Marcos é mais do que um percurso individual no mundo da moda — é
também um espelho das realidades enfrentadas por jovens empreendedores queer nas
periferias angolanas. Entre tecidos, fardos e criatividade, ele vai desenhando não apenas
roupas, mas, caminhos possíveis de autonomia e afirmação.
Num país onde o preconceito ainda é um obstáculo e onde empreender é, muitas vezes, uma
questão de sobrevivência, Nícolas mostra que estilo, identidade e resiliência podem — e devem — caminhar juntos. O seu exemplo inspira e reforça a importância de apoiar iniciativas locais que, como a sua, desafiam padrões e constroem novas economias a partir das margens.