Desde 1 de Fevereiro de 2021 a residir em Angola como embaixador da Argentina, Alejandro Guillemo Verdier, é um homem comprometido com as causas sociais e apreciador de desportos.
Nascido em 16 de Abril de 1964 em Buenos Aires, Argentina, o diplomata tem uma vasta carreira na diplomacia Argentina, tendo trabalhado na Missão Permanente da Argentina junto às Nações Unidas de 1993 a 1999, assessor do ministro das Relações Exteriores de 1999 a 2001, e, na embaixada da Argentina em França de 2003 a 2008.
“Por vergonha da humanidade, em mais de 65 países no mundo a Homossexualidade ainda é tida como crime“
Alejandro Verdier, conta nessa entrevista, exclusiva à Queer People, sobre como foi a sua experiência ao revelar aos seus familiares a sua orientação sexual, as espectativas que teve quando soube que iria trabalhar em Angola, e sobre como foi a reação do Papa Francisco, na época arcebispo de Buenos Aires, diante da aprovação do projeto de lei que reconhecia o matrimonio igualitário (reconhecimento legal do casamento entre indivíduos do mesmo género).
“Meu nome é Alejandro Verdie, sou o embaixador da Argentina em Angola há mais de 1 ano e meio, e estou muito feliz de estar aqui. Ver tantas coisas singulares entre os dois países, e o quanto podemos nos complementar principalmente, isso é sempre importante. Ver em quais pontos podemos aprender um com o outro, e cooperar, essa é a parte importante da diplomacia. Já não é como antes, onde se tentava muito vender produtos (risos).”
“Nós somos uma embaixada muito envolvida nos assuntos sociais, talvez vocês vêm mais o aspeto LGBT, mas não é só isso. Vemos muito os direitos das crianças, bem como, a sua integração no sistema de educação, e, na medida do possível damos uma ajuda para incentivar os meninos nos desportos. O desporto é uma coisa que ajuda muito a sair das ruas, e na integração dos envolvidos, não só no futebol. Estamos a dar uma ajuda a seleção Angolana de hóquei em patins, que vão participar da copa do mundo que vai ser na Argentina, e o time masculino Angolano é muito forte, e nós queremos incentivar também o time feminino, bem como incentivar o próprio desporto para as mulheres.”
Pudemos ver que a ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi uma grande influência para o reconhecimento legal do casamento Homoafetivo na Argentina. É muito interessante saber que ela se posicionou perante a ala religiosa para que pudessem aprovar o casamento Homoafetivo. Gostaríamos muito de ouvir do senhor embaixador, sobre como foi esse processo para a aprovação do casamento Homoafetivo na Argentina.
“É preciso ver as coisas em uma perspetiva geral. A presidente da Argentina na época, Cristina Kirchner,, hoje vice presidente, é uma pessoa muito preocupada com os assuntos de direitos humanos no geral, e todos os aspetos de direitos humanos devem para ser tratados de forma especial, e, os direitos das pessoas LGBT estão dentro dos direitos humanos. E ela foi determinante para se fazer avançar o projeto de lei que, modificou o código civil, onde dizia que o matrimonio era a união entre um homem e uma mulher (isso foi suprimido). Hoje, o matrimonio é a união entre duas pessoas. Simples!”
“O projeto de lei foi para o congresso! Primeiro para a câmara municipal e depois para o senado. Muitos não dormiram nessa noite, porque muitos estavam a favor, mas também tinha aqueles que estavam contra, e a incerteza era dos dois lados.”
Pudemos perceber que o senhor embaixador é muito engajado nas questões LGBTQIAP+. Gostaríamos de saber mais sobre o envolvimento do senhor embaixador com as pautas LGBT.
“Sempre foi uma questão importante para mim! Mas, foi quando estive a trabalhar nas Nações Unidas que compreendi o quão importante é a tarefa de sensibilizar sobre os direitos, porque nem todos os países têm o mesmo acesso a informação, e por vergonha da humanidade, em mais de 65 países no mundo a Homossexualidade ainda é tida como crime, e em um deles tem a pena de morte. Então, quando se organiza uma demonstração de sensibilização sobre os direitos da comunidade LGBTQIAP+, tem uma repercussão a nível local e entre os países membros das nações unidas. E os países menos desenvolvidos, nesse aspeto, perguntam porque nos importamos com esse assunto, aí aproveitamos para explicar e sensibilizar sobre as questões LGBTQIAP+ e mostrar que são direitos humanos. E, eu estou muito feliz de ter contribuído na chegada de Cabo Verde para o grupo dos países defensores dos direitos LGBT, sendo o primeiro país Africano a ser integrante desse grupo.
Há uma coisa que temos de ter em conta, as vezes a bandeira LGBTQIAP+ tem sido apenas associada a ações de diversões, festas ou musicas, mas é preciso perceber que há uma mensagem importante por trás da bandeira do orgulho, uma mensagem séria. A comunidade tem essa alegria contagiante e natural, mas não pode se ficar só nisso, pois o trabalho e responsabilidade que a causa traz vai muito além da parte festiva.”
Nós (movimento/ativistas LGBTs) precisamos realmente saber aproveitar esses espaços festivos para criação de parcerias/parceiros de outras causas e sectores, perceber o quão importante é nos envolvermos e apoiarmos outras problemáticas ou pautas sociais para assim alcançarmos todos juntos as metas traçadas.
“Um ponto que precisamos abordar, agora que estamos a falar sobre festividades, é o problema do VIH/SIDA, que é um problema grave, e em Angola há ainda uma resistência das pessoas no uso do preservativo e na procura dos serviços de testagem. Nós identificamos isso no último ano, e vamos passar a participar das campanhas de luta contra o VIH/SIDA. Porque pessoas que são positivas agora têm a possibilidade de recuperarem, e quando eles se salvam estão a salvar também as pessoas que estão por perto. delas”
Como a Argentina tem lidado com a pandemia do VIH/SIDA?
“No início foi difícil, como aqui, mas chegou um momento em que a doença passou a ser reconhecida como qualquer outra doença e, o seguro social de qualquer empregado cobre a produção de medicamento para o VIH/SIDA… Sim, o problema de condições de alimentação para resistir ao tratamento do VIH, também pode acontecer, até porque a Argentina não é um país completamente desenvolvido, mas esse não é um problema tão grande como em alguns países Africanos”
Como é a participação da comunidade LGBT na politica da Argentina?
“Temos pessoas LGBTs na política! Mas eles não chegaram por intermédio de associações/organizações LGBTs, e também não há um partido LGBT no congresso, dentro dos diferentes partidos políticos na Argentina há indivíduos defensores dos direitos LGBTQIAP+. A visibilidade das pessoas Trans é vista em várias áreas/partes da sociedade, na área da comunicação, saúde, educação, temos (especificamente) mulheres Trans muito visíveis e muito respeitadas. No inicio era só a parte mais artística, como as modelos por exemplo, mas agora vemos pessoas Trans em várias áreas… Eu trabalho no ministério das relações exteriores, que evidentemente é o mais aberto mentalmente, e lá tenho testemunhos de pessoas que começaram a fazer a transição, pessoas que inicialmente eram percebidas como homens, e depois de um tempo começaram a transição”
Nessa situação as pessoas têm de ver que, a vida da outra pessoa em nada impossibilita a vida delas. Só cabe a elas respeitar as particularidades dessa pessoa, como a mesma se expressa e se entende, pois é um direito dela.
“Nesse sentido, gostaria de partilhar contigo, agora no ministério temos uma mulher Trans como subsecretária de Políticas de Diversidade, Alba Rueda, ela é represente oficial para assuntos Trans no mundo inteiro. Eu assisto todas as suas conferências e seminários, e estou a torcer muito para que um dia ela venha oficialmente visitar Angola”
O senhor embaixador tem tido contacto com a comunidade Afroargentina LGBT?
“Sim, tenho tido contacto. No ano passado organizamos uma amostra de fotografias para as mulheres afroargentinas, dentre elas tinha duas mulheres Trans afroargentinas“
Qual o parecer sobre Angola dos cidadãos argentinos LGBTs residentes em Angola?
“Em todos os contactos que nós temos tido, eles dizem sempre que não têm tido problema nenhum em Angola por serem LGBTs, têm levado uma vida normal. Alguns chegaram aqui já compromissados, e outros têm assuntos locais (risos)… Olha, acho que há um preconceito de que “Angola pode ser um país problemático“, vendo o país do ponto de vista como estrangeiro, posso lhe dizer que eu não vejo isso, mas eu sei que há violência da policia contra as pessoas Trans e não só.”
“Como parte da entrevista, eu também quero perguntar uma coisa (risos)… Falamos muito das pessoas Trans e os severos problemas que enfrentam, mas muitas pessoas Homossexuais em Angola não conseguem sair do armário, e isso é uma coisa que me chama muita atenção. Porque se o assunto já não é um crime e a sociedade já demonstra aceitação, me pergunto por que ainda é tão difícil as pessoas saírem do armário, que acabam por viver uma vida dupla”
Apesar da lei ter sido aprovada e ter entrado em vigor, infelizmente ela não é eficaz na sua implementação, e ela acaba por ser ineficaz…
“Eu já ouvi sobre isso! Mas a questão é, só culpamos a lei e o estado? Mas também há uma parte dentro de nós que também impede, pois é preciso muita coragem para tal. Então, é por causa do orgulho, falta de coragem?”
Infelizmente para a realidade Angolana, sair do armário não é tão fácil, e tem vários fatores que impossibilitam. Porque, um homem chegar e assumir que gosta de outro homem é um atentado ao conceito de homem da sociedade, esse homem acaba por ser visto como incapaz de dar continuidade a família e nem será o homem da família, pois, há uma grande expectativa familiar e social por cima desse homem. E por esse e outros motivos é que a sociedade atribui apenas à Homossexualidade a homens Gays afeminados, pois esse grupo não são vistos como “homens” de verdade (até entre na própria comunidade).
“Nenhuma conquista na história da humanidade se conseguiu sem arriscar. E o armário é confortável?”
“A família precisa também da coragem do membro da família para evoluir. As mudanças acontecem em todos os âmbitos da vida porque alguém puxa para que isso aconteça. Em uma família em que não há ninguém que se diz ser LGBTQIAP+, a chance de mudança é difícil. Quando um membro familiar se assume, para a geração a seguir, se tornará mais fácil ”
É importante que nós nos atrevamos a ser, no momento certo de cada um, que tenhamos essa coragem de ser, de falar, de ocupar o espaço que nos é negado
“Falando na primeira pessoa, eu também duvidava em falar com a minha família. Um dia convidei o meu irmão para almoçar e contei pra ele, ele não teve uma reação negativa, foi tudo normal. Mas, pouco tempo depois, a minha mãe ligou para mim e questionou, “ahhh tanto tempo que não falamos. Estás com namorada, namorado?”. Ela me tirou do armário (risos), e eu disse, “sim, é namorado”. A única coisa que ela quis saber era se o meu irmão já sabia, para ela era importante saber se havia aceitação entre os membros da família.”
Foi muito tranquilo…
“Sim, foi tranquilo! Não sei qual teria sido a reação dela se eu tivesse dito que o meu irmão ainda não sabia”
“Esqueci de mencionar uma coisa quando falávamos do processo do matrimonio igualitário na Argentina. Na época, quem era o arcebispo de Buenos Aires, era o Papa Francisco, e a reação dele foi muito importante, pois ele fez a mínima reação que devia fazer pela sua posição, perante do Papa e do Vaticano. Obviamente que ele não poderia sair a bater palmas (risos). Foi uma reação boa para demonstrar que, o lugar da igreja é outro, e a lei de estado é para a sociedade, eles não aprovam mas também não rejeitam“
É quase regra entre as pessoas diplomatas/politicamente expostas, terem do seu lado uma esposa ou esposo para passar uma mensagem de maior seriedade ou responsabilidade. O senhor embaixador sente a pressão de ter uma esposa do seu lado?
“Sinto! Não propriamente da minha parte, mas sinto quando as pessoas me perguntam. Dependendo do local em que eu esteja a trabalhar, tem vezes que há muitas perguntas, e em outras vezes nem fazem a pergunta… Eu já trabalhei em várias partes do Brasil, e durante 4 anos no Rio de Janeiro, ninguém já mais me perguntou se eu tinha esposa, mas quando fui para uma outra cidade mais pequena, eu fiquei chocado porque todo mundo que chegava me perguntava, “e a sua esposa?”. Nunca ninguém tinha me perguntado isso! E aí eu tinha que explicar, “eu sou solteiro”, 40 anos e solteiro (na época) (risos)“
E sente essa mesma pressão aqui em Angola?
“Aqui nem tanto! Por isso que eu digo que, Luanda é uma cidade bem mais aberta do que muitos possam imaginar. Eu não digo que não há problemas sociais, de direitos ou abusos, mas eu hoje vejo que ela é muito mais aberta do que eu imaginei antes de chegar… Eu sentia mais pressão (antes de chegar) quando pensava que eu seria um embaixador abertamente Gay em um país cristão de África, e acho que consegui fazer as coisas de um jeito tranquilo sem incomodar ninguém”.
Interessante essa entrevista.
Parabéns e obrigada!
Como temos dito, a sexualidade é apenas um aspecto de nós, importante claro, mas existem outros aspectos de nós. É preciso coragem e determinação para viver livremente.