Ser mulher Trans no Malawi apresenta um conjunto de desafios, e ao mesmo tempo de perigo, por conta da discriminação legal contra as pessoas LGBTQIAP+.
Malawi, país da África Oriental, faz parte dos 30 países africanos que têm leis que criminalizam a homossexualidade. A prática sexual entre pessoas do mesmo sexo é proibida pelo Código Penal do Malawi, que criminaliza actos homossexuais com uma pena máxima de 14 anos de prisão.
Após sua independência em 1964, o Malawi, que outrora era chamado de Niassalândia, herdou a lei colonial inglesa (Grã-Bretanha), que tem a homossexualidade como um acto abominável, imposta ao então Protetorado em 1930. Nas últimas décadas, o Malawi manteve essa lei que criminalizava a actividade sexual entre pessoas do mesmo sexo.
Enquanto a ocorrência de práticas homossexuais foi notada pela primeira vez no Malawi colonial, a homossexualidade tornou-se um tabu estrito durante a ditadura de 30 anos do primeiro presidente republicano, Kamuzu Banda. No entanto, não quer dizer que os homossexuais eram inexistentes, pois sempre existiram no Malawi.
Em 2020, o Centro para o Desenvolvimento de Pessoas (CEDEP) registou 15 casos de estigma, assédio e violência motivados por orientação sexual, identidade de género, entre outros. Membros LGBTQIAP+ enfrentaram intolerância na contratação, enquanto requerentes de asilo LGBTQIAP+, tiveram o registo negado com base no facto de que a actividade sexual entre pessoas do mesmo sexo é criminalizada.
Até o momento, nota-se que houve um recuo e que as pessoas LGBTQIAP+ no Malawi enfrentam vários desafios legais, incluindo a criminalização da homossexualidade e pouca protecção contra à discriminação. Pessoas transgéneros também não podem mudar seus marcadores de género em documentos de identidade, o que complica ainda mais suas vidas diárias.
Como sustento para a fundamentação deste facto, trouxemos os relatos de duas mulheres Trans do Malawi, Electra e Chrystal, que deram entrevista para o portal de notícias sul-africano MambaOnline, que têm sido marginalizadas todos os dias pela a sociedade. Suas histórias não apenas lançam luz verde sobre as injustiças que elas enfrentam, mas também revelam sua persistência e determinação para lutar por um futuro mais inclusivo.
Chrystal, de 24 anos, que é profissional de saúde e activista de Blantyre, explicou que “as leis homofóbicas do Malawi nos deixam vulneráveis à discriminação, à empregos, moradia e assistência médica”.
Electra, de 29 anos, activista trans que mora em Lilongwe, diz que o cenário legal, efectivamente, torna os cidadãos transgéneros inexistentes, cenário esse, que encoraja a sociedade a perseguir e maltratar pessoas transgéneros.
“Após decisões judiciais recentes sobre legislação anti-LGBTIQ+, houve um aumento no assédio, agressão e discriminação contra pessoas transgéneros”, ressaltou Electra.
Tanto Chrystal quanto Electra, vivenciaram e ainda enfrentam estigma social, e possivelmente pior. “A ameaça constante de violência e discriminação leva a desafios reais de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade e pensamentos suicida”, diz Chrystal.
Chrystal e Electra perceberam suas identidades de género ainda jovens. Chrystal sabia que era transgénero aos dez anos, enquanto Electra se sentia desconectada de seu corpo, mas não sabia como chamá-lo até terminar a escola.
“Foi quando eu estava no 2º ano que me deparei com a palavra gay, mas ela não combinava. Depois da escola, trabalhei em mim mesma e na minha identidade e percebi que me sentia mais confortável me identificando como transgénero”, explica Electra.
Frequentar a escola para elas, não foi uma tarefa fácil. Chrystal, por exemplo, foi expulsa do ensino médio porque compareceu a uma parada do Orgulho LGBTQIAP+. Electra tentou se resguardar enquanto estudava. “Sempre tentei me conformar para completar minha educação”, diz ela.
Muitas de suas amigas, no entanto, foram expulsas ou tiveram de abandonar a escola por causa de suas identidades de género.
Estar em espaços públicos pode ser particularmente preocupante. Chrystal sempre avalia a segurança de seu ambiente e se mantém conectada com amigos ou familiares de confiança. “Eu me certifico de ter um plano de como sair rapidamente se me sentir ameaçada”, revela Chrystal.
A visibilidade de Electra, devido à sua defesa online, significa que ela corre um alto risco de ser alvo. “É desafiador ficar em um lugar por muito tempo, e se mudar é difícil porque as pessoas geralmente não querem alugar casas para mim”, ela explica. Electra se recusa a se esconder. “Recebo ameaças e mensagens ofensivas regularmente, mas isso não me impede de promover a compreensão e a aceitação”.
Infelizmente, para Electra, o lar também não era o ambiente seguro que deveria ter sido. “Quando me assumi pela primeira vez, minha família não me aceitou de jeito nenhum, e tive que deixar a casa da família”, relembra Electra. Ela ainda enfrenta discriminação de alguns membros da família e às vezes é excluída de reuniões por causa de sua identidade de género.
Ela admite que não ser totalmente reconhecida pela família é difícil de aceitar. “Isso me incomoda muito…Parte meu coração! Há momentos em que estou estressada e deprimida com a incerteza da minha situação, e gostaria de falar sobre isso com eles, mas não posso. Sei que eles vão perguntar ´´não consegues parar de ser gay por quê?´´ Isso me deixa triste.”
Os relacionamentos familiares de Chrystal também são complicados. “Eles acabaram por desistir de tentar mudar-me e agora reconhecem-me como filha deles, embora não aceitem totalmente minha identidade de género”, ela diz.
O acesso a cuidados de saúde acolhedores é outra barreira para pessoas LGBTQIAP+ no Malawi. Não há hospitais no país que forneçam cuidados médicos relacionados à transição, como terapia hormonal ou cirurgia de redesignação sexual.
“Quero começar a transição”, revela Chrystal. “No Malawi não me deixam fazer isso – há a falta de medicamentos, e a lei não me deixa mudar meu género em documentos de identificação. Eu poderia até ser presa se eu fizer a transição aqui no Malawi se o governo descobrir.”
A experiência de Electra com assistência médica ecoa essas realidades. “Buscar assistência médica pode ser uma experiência incrivelmente estressante. Encontramos olhares, calúnias e abuso verbal directo”.
“O acesso limitado a suprimentos essenciais como lubrificantes e preservativos dificulta ainda mais os esforços para promover a saúde sexual e o bem-estar entre mulheres trans“, diz Electra.
Infelizmente, ainda muitos governantes africanos têm se mostrado insensível à questões LGBTQIAP+, refutando os direitos das pessoas Queer e chegam a ser intolerantes, de modo a aprovar leis duras que criminalizam a homossexualidade. A maioria dos países africanos que criminalizam a homossexualidade é fruto do colonialismo.