No passado mês de maio, o Instituto Guimarães Rosa, em parceria com o Colectivo Des-Colorir e o Arquivo de Identidade Angolana (AIA), realizou a 3ª edição do festival cultural “Festival Riobaldo”, de 17 à 31, nas instalações do Instituto Guimarães Rosa. O Festival contou com oito actividades culturais, desde exposição de artes plásticas, moda, concerto, literatura e dança.
O evento teve maior enfoque na cultura Queer local, apesar de ser aberto para o público em geral.
Em conversa com a Queer People, o diplomata brasileiro e curador do Festival Riobaldo, Hugo Lorenzette Neto, comentou sobre o conceito do festival e a conexão com cultura Queer local.
O que é o Festival Riobaldo?
“O Festival Riobaldo é um evento cultural, que se oferece para trazer como estrelas do evento, não necessariamente do público em si, mas quem vai mostrar a arte, são pessoas LGBTQIAP+ angolana, brasileira e dos outros países que quiserem participar.”
De onde surgiu o Festival Riobaldo?
“O Riobaldo é um personagem… É um personagem do livro Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. É um livro que tem ele como o narrador (o personagem principal), e é um fazendeiro (quando ele vai contando a história). E enquanto ele estava na bandidagem conheceu o Diadorim e apaixonou-se pelo mesmo… Não é uma história de amor romântico!
Riobaldo, tinha uma esposa, mas apaixona-se pelo Diadorim, e esse amor é mostrado de várias formas ao longo do livro. Então, é um personagem interessante que não podemos dizer muita coisa, se ele é um homem bissexual?! Uma coisa Queer em geral caberia para dizer várias coisas que estão ali. Hétero curioso? Bissexual? Gay?… Assim, como o Diadorim, o livro é dos anos 50 e não dá para dizer que é um homem Trans e as pessoas não íam entender nada do que significava. São figuras interessantes! E a principal obra da pessoa que dá nome ao Instituto Guimarães Rosa, é uma obra bastante fora da heteronarmatividade, ele começou como festival de literatura, por isso, que tem esse nome.
A primeira edição tinha basicamente literatura, na segunda edição havia literatura e a arte da palavra, porque tinha Stand Up Comedy
e agora, nós abrimos para mais expressões, convidamos a comunidade LGBTQIAP+ local para fazer propostas, acolhemos e ajudamos a custiar as propostas aqui no Instituto, sendo um dos patrocinadores de todas estas actividades”.
Qual foi o objectivo do festival?
“Ter um festival feito maioritariamente por pessoas angolanas, que transformam o espaço de governo, um governo no caso estrangeiro, que ocupa um espaço que, na verdade pertence a uma autárquia angolana, nós fazemos aposta ou a utilização do espaço e queríamos transformar este espaço seguro para as pessoas LGBTQIA+, mostrar as suas manifestações artísticas. E eu acho que é muito bom! Por que a ideia é isso, é ter um lugar onde a própria comunidade reconheça que é um espaço seguro. Ter um lugar onde a comunidade se sinta a vontade e possa fazer propostas…”
Como foi o envolvimento dos participantes no festival, particularmente das pessoas LGBTs que fizeram parte da equipa de produção?
“Fizeram o festival, não é? O festival foi feito pelas pessoas da comunidade… Nós organizamos algumas coisas, como o sarau do Riobaldo, a festa de encerramento, performance e alguns outros shows, mas não teria graça trazer só essas coisas brasileiras, para uma ação de políticas públicas de cultura que envolve a questão da comunidade estar a vontade, se não ficaria um festival brasileiro para a comunidade apenas assistiir… Tudo isso para dizer que, quem fez o festival de verdade foi a comunidade e as instituições.”
Essa edição superou as expectativas?
“Eu não vou dar nota, eu sou professor, e por vezes quando eu sou, eu não gosto de dar notas. Quem sou eu para avaliar se está acima da média ou abaixo? Dar uma nota para competir, eu honestamente não gosto de ver pessoas a competir. Competir é coisa de hétero ou a base do capitalismo e extremamente patriacal e colonialista.
Mas, eu já sabia que o pessoal iria fazer um bom trabalho… Eu fiquei feliz com o resultado, fiquei feliz com o que aconteceu… Eu acho que já está muito bom assim! Talvez uma coisa que não me surpreendeu mas foi bom de ver, foi o engajamento das pessoas, estavam realmente a trabalhar, pois, estavam muito envolvidas. E o que eu achei é que as pessoas adoptaram o festival e a casa!
O festival Riobaldo talvez sobreviva, e vai precisar de vocês para sobreviver. Se vocês considerarem o festival importante, vocês se empenhem a manter este festival vivo. Vocês vão decidir a importância do festival para a comunidade local.”
Poderia nos dizer qual é a importância do festival para a comunidade Queer local?
“Então, qual é a importância do festival para a comunidade local? Vocês vão decidir qual é a importância para a comunidade local. O que nós queríamos dar é essa casa bonita com um bom palco, com uma boa produtora que trabalham bem, com técnicos e equipamentos. Eu queria entregar tudo isso para vocês usarem… Como gestor, é isso!
Visto que houve várias actividades de diferentes géneros dentro do festival, gostaria de saber qual dentre elas lhe marcou?
“Na verdade o que me marcou foi ver as pessoas a chegarem para trabalhar. Um momento que me marcou muito mesmo, não pela actividade em si, foi o momento da abertura. Na abertura estavam todas as pessoas e asociações a ajudar. Tinha o pessoal que contratamos, mas também tinha outras ajudar a montar tudo para que o evento desse certo. Então, a minha coisa favorita no festival foi ver as pessoas a pegarem com amor a coisa e ser delas… O que eu achei muito bom, foi perceber que tinha um aspecto de luta, tinha um aspecto de conseguir espaço, e aí as pessoas viram a importância de tudo. Isso foi a minha coisa favorita!”
Sabendo que o Hugo é o idealizador de projecto, gostaria de saber se a 3ª edição de 2024 superou as suas expectativas em comparação à da 2ª edição de 2023?
“Aumentou a expectativa e aumentou também o interesse, e fica óptimo com mais envolvimento da comunidade, para o uso do espaço e nós damos algumas orientações daquilo que se pode fazer e o que não se pode fazer, não há muita coisa que não pode, são coisas muito simples, muito básicas… É muito bom ver pessoas felizes, e melhor ainda se é da minha comunidade… É melhor ainda se são pessoas LGBTQIAP+ como eu. É uma alegria chegar aqui todos os dias (no IGR) e ver que tem pessoas que estão a usar o espaço, que estão a aproveitar e a curtir o espaço. E o sentimento é de ´funcionou´.
Quando aparecia algum hétero o problema era muito pequeno. Pude notar que as pessoas são alternativas, além de serem LGBTs que se parecem comigo. Existe uma sensação de comunidade muito boa aqui, eu vi pessoas anunciar a minha perfomance junto com outras perfomances, e aí um amigo meu viu isso e escreveu “você faz parte da malta´´, embora o fazer parte da malta seja uma coisa, mas é essa sensação de estar a fazer parte desse esforço todo,eu me senti acolhido como gestor, e isso é muito importante para mim. Se a questão é sobre uma experiência individual, sobre como a comunidade aqui me toca, ela me tocou me acolhendo, não foi com homenagens ou com sentimentos de divídas (eu não gosto de pessoas que se sentem endividadas, fui criado em uma família que tinha divídas, e dever coisas é horrível).
O que eu espero é poder fazer parte da coisa, é sair por aqui e dar um abraço nas pessoas, conversar com elas e ouvir o que elas têm a dizer, ver as pessoas a dançar, ver os meus irmãos e irmãs de comunidade a fazerem coisas que os/as deixa felizes, e ao mesmo tempo ver as pessoas a me aceitarem como gestor do projecto… Eu estou a ir embora com um grande momento, eu me senti muito bem ao fazer esse festival, me senti muito bem ao interagir com as pessoas.”
O Festival Riobaldo foi um evento bastante completo que conseguiu agregar várias modalidades festivas em um só festival, foi e é uma celebração memorável que ficou marcado na agenda cultural da comunidade Queer local. Na verdade, tratou-se de um evento inclusivo que reuniu várias pessoas de diversos tratos sociais e político, de expressões de género e orientações sexuais, a fim de celebrar a diversidade das pessoas.