Como vimos em outras situações, como no artigo Feminismo ou exterminação das pessoas com pénis, género é uma construção social. Construção social essa que, carrega toda uma serie de espectativas por cima do corpo do indivíduo a qual foi atribuído ou condicionado.Mas até que ponto, a expressão de características do género oposto que te foi atribuído/a/e (ou não) pode entrar em desacordo com as espectativas do teu género inicial?
Para a minha família, eu sou um Homem Gay Afeminado do género Masculino, mas, por expressar muitas características do género Feminino, uma boa parte das espectativas do género Masculino não é atribuída ao meu corpo… Por sermos 5 irmãos (3 meninas e 2 rapazes), era esperado que eu e o meu irmão fizéssemos as tarefas mais pesadas (que requerem mais esforços), mas, quando surge a necessidade de se trocar uma lâmpada ou arranjar alguma falha na parede de casa, minha mãe e minhas irmãs (incluindo eu na realidade rsrsrs) sempre depositam todas as sua espectativas ao meu irmão para arranjar/solucionar tais problemas/falhas. E isso não é porque eu digo para elas que “eu não quero fazer”, mas sim porque elas acreditam que eu não consiga fazer/arranjar tais falhas em casa.
Tarefas que são conhecidas por serem executadas maioritariamente e prioritariamente por meninas, são todas atribuídas pra mim, pois, é assim que a minha família e muitas outras famílias Angolanas encaram e percebem a maior parte dos Homens Gays Afeminados. Mas, enquanto que no seio familiar nos é atribuído essas tarefas, por conta da nossa “pseudo – sensibilidade”, a sociedade no geral, nos atribui as tarefas e responsabilidades conhecidas por serem executadas pelos Homens Masculinos, não por sermos Biologicamente Homens, mas por sermos Homens que carregam e expressam Feminilidade, em uma tentativa cruel e mutiladora de nos humilhar, castigar e nos anular por carregarmos características Femininas em um corpo de Homem.
Pois, para a sociedade no geral, é inadmissível e ofensivo que o corpo mais respeitado, venerado e visto como um ato de perfeição e masculinidade (que no caso é o Homem), se atreva a carregar e expressar características do corpo que é visto como inútil e que só serve para procriar (que no caso tristemente é a mulher).
Mas, até que ponto os corpos não-binários percebem esse choque de dualidade das espectativas sobre os seus corpos?
Pois, enquanto o meu namorado continuar a ver que ele é que deve abrir a porta do carro pra mim e pagar a conta do almoço, por ele ser nitidamente másculo (mesmo que os nossos papeis sexuais não é como muitos presumem), e, o meu vizinho achar que eu devo executar as tarefas mais pesadas e difíceis para me humilhar e assim deixar de ser Afeminado, as espectativas sobre o meu corpo (e sobre o corpo de outros indivíduos que também não são Binários e Heteronormativos) continuará a entrar em choque com as questões que envolvem a minha identidade de género, expressão de género e a minha orientação sexual.
– David Kanga