
Actualmente, a situação hoteleira em Angola tem registado uma continua queda na taxa de ocupação nos últimos tempos, devido à conjuntura socioeconómica do país, o que não é favorável para este sector.
Atendendo a concorrência no mercado de trabalho hoteleiro, concernente à qualidade dos serviços, hoje, fala-se que a qualificação das pessoas que trabalham no sector é um ponto muito crucial para o desenvolvimento das instituições hoteleiras do país.
“Actualmente estamos numa fase muito decadente em que os que estão a trabalhar na área não são formados para o sector. Isso, vai automaticamente dificultar aquilo que é realmente o trabalho prestado“
Pouco ou nada se fala sobre jovens Queer angolanos formados no sector de Hotelaria e Turismo e, que têm trabalhado arduamente em prol do desenvolvimento do país, e que, de certa maneira, têm ajudado significativamente no desenvolvimento do turismo em Angola.
Infelizmente, muitas são as barreiras que os jovens Queer têm vindo a enfrentar para ingressarem nesse mercado. Divaldo Tomé Quingongo, nascido aos 17 de janeiro de 1999 em Luanda, licenciado em Hotelaria e Turismo no Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologias (INSUTEC), esteve em conversa com a Queer People onde falou sobre o mercado da hotelaria e turismo em Angola, seus desafios e oportunidades, e, como a sua profissionalização no ramo tem servido como uma oportunidade para a contribuição no crescimento do sector no país.
Quingongo é um dos membros do coletivo Des-Colorir que, em 2023 foram um dos vencedores dos prêmios Queer People Awards pelo trabalho cultural e didático que desenvolveram com a comunidade LGBTQIAP+ ao longo do ano de 2022.
Como foi a tua experiência académica na altura que estavas a fazer a licenciatura em Hotelaria e Turismo no INSUTEC?
Eu digo que foi uma jornada calma, porque procurei me preparar-me de certos `ataques´ quando entrei para o ensino superior. Claro né (riso), que houve aquele medo… Era uma nova experiência, não conhecia ninguém e era um mundo novo para mim, porém, foi uma coisa boa porque encontrei um amigo, e por coincidência era gay também. Fomos da mesma turma, então, eu me senti meio que confortado. Mas, na altura eu não vivia a minha orientação sexual abertamente, ainda estava dentro do armário, só que esse meu amigo não (riso)!
Felizmente, ele não sofreu ataques, passamos o primeiro ano todo juntos, mas no segundo ano ele desistiu e fiquei sozinho, fiz alguns amigos por intermédio dele… Nesse mesmo ano, descobri que lá tinha uma mulher Trans. Como? Eu fui pagar a propina e deparo-me, nas escadas, com a colega, que por acaso é conhecida na comunidade, ela olhou-me e eu também olhei, mas, ninguém falou nada a ninguém, seguimos os dois o caminho.
Mas depois fiquei curioso para conhecer quem era a colega, e se calhar podemos ser amigos porque lutamos pela mesma causa. Só que não (riso)! A colega não era para ser amiga, era para sermos apenas colegas, tipo, ela está ali e estou aqui, existimos ok, tranquilo (risos).
No final do segundo ano, eu me assumi para a minha família. E quando a pessoa se assume para a família é basicamente uma porta aberta para sair do armário. Desde o segundo ano até o meu último ano (na universidade), eu nunca falei a ninguém abertamente que sou gay, até hoje eu não falo… Mas se me perguntarem eu respondo
De onde surgiu o desejo de formar-se em Hotelaria e Turismo?
É uma história bem engraçada (risos)! Eu nunca pensei em me formar nessa área. Eu estava no último ano do Ensino Médio, a cursar Ciências Físicas e Biológicas. Entretanto, a minha irmã fez um curso profissional em Recepção e desde então, sempre gostei de fazer bolos e de cozinhar. Um dia ela me disse: ”Olha, tem um centro aí muito fixe que dão esse curso de cozinha e pastelaria. Não queres fazer?”, inicialmente eu não queria fazer. Ela foi fazer inscrição por mim sem eu saber. Pensei que fosse apenas cozinha e pastelaria, só que não foi isso (risos)!
Fiz 9 meses no centro, foi uma formação muito boa, e não foi sobre cozinha e pastelaria. Eu tive um contacto directo com o mundo hoteleiro, restauração e um bocadinho de turismo. Depois do curso, fiz estágio num hotel e foi muito bom!

Quando terminei o ensino médio, disse em casa: ”Olha, esquecem o médico porque aqui já não vai ter mais médico”, todos mundo foram contra. ”Eu não quero fazer medicina, vou fazer hotelaria e turismo…” Pedi dinheiro para fazer a inscrição no ensino superior e disseram-me: ”Tu vais fazer a inscrição, mas em Medicina Geral e no Agostinho Neto…”, deram-me o dinheiro para fazer apenas uma inscrição, eu juntei mais um dinheiro para fazer duas inscrições, fiz Medicina Geral e Hotelaria e Turismo, porque lá também tem.
Acabei por não passar em nenhuma das duas e fiquei em casa durante um ano parado. No ano seguinte eu disse novamente: “Eu não vou mais fazer saúde, ou vou procurar uma privada para fazer hotelaria e turismo e vocês vão se virar como irão pagar”.
O pessoal de casa disse que não iria pagar os meus estudos se eu fizesse Hotelaria e Turismo. Eu fiquei muito triste com aquela situação, chorei e tudo. De seguida a minha irmã mais velha conversou comigo e perguntou o que eu queria na verdade, eu disse que queria fazer hotelaria e turismo, perguntou o por quê, eu disse “porque é minha paixão e quero aprofundar mais os meus conhecimentos nisso”, e no final ela aceitou pagar os meus estudos e me fez prometer que não iria deixar nem uma cadeira.
Como foi a experiência que tiveste quando viajaste para uma das províncias do país na época da conclusão da sua monografia?
Preciso falar primeiro o que me motivou a falar de Malanje… Fui para lá com os colegas fazer uma visita de campo com o objectivo de saber como é que a província estava em termos de turismo rural. Quando chegamos, percebemos que muita coisa não estava tão certa e queríamos as causas para tais falhas.
Fomos pela segunda vez para Malanje, dessa vez para fazer o trabalho de investigação para a nossa monografia… Malanje é uma província muito grande, maior que Luanda, ela é praticamente cinco vezes o tamanho de Luanda. Nisso, era muito difícil se deslocar dentro da província e chegava a ser mais caro se locomover dentro dela em comparação a Luanda.
Para teres uma noção, estivemos na sede de Malanje, e sair de lá até o município de Kalandula, ida e volta, chegamos a gastar aproximadamente 25.000,00 kzs… Os transportes públicos só circulam dentro dos municípios, eles não saem dos seus respectivos municípios…
“Acho que ainda há uma situação de trabalho análogo a escravidão porque, há hotéis que têm políticas muito desumanas, se assim posso dizer. Exigem tanto do funcionário que o que eles pagam acaba por não compensar o esforço aplicado”
Qual é a situação das vias de acesso na província?
Há asfalto mas não há sinalização e não há iluminação… A comunicação é péssima e ainda há limitações no fornecimento de informações. Ou seja, tu vais para lá, para falar sobre algum espaço que fornece o serviço de hotelaria, para tal, terás de, primeiramente, escrever para a administração local a fim de autorizar tal trabalho que foste lá fazer… Para teres uma noção, numa das vezes que fomos para lá gastamos aproximadamente 18.000,00 kzs, para chegarmos no resort rural onde iríamos fazer o trabalho, e não tivemos a nossa entrada permitida porque o gerente da mesma não autorizou, sem motivos.
Enfim (risos)! É uma província muito boa, mas é complicado se locomover lá dentro...
Estás a trabalhar na tua área de formação?
Actualmente não!
Qual é o real conceito de Hotelaria e Turismo?
Comecemos por separar as águas! Porque hotelaria é outra coisa e turismo também é uma outra coisa. Na verdade, ambas não têm uma definição concreta! Hotelaria é basicamente meios de hospedagem, acomodação, alojamento e alimentação que um estabelecimento hoteleiro tem.
Turismo é a deslocação para um lugar desconhecido mediante pagamento. É todo e qualquer movimento ou deslocação de um local para um outro desconhecido. É necessário existir pagamentos para efectivamente ser um turismo.
Uma boa parte de nós têm a percepção de que só é considerado hotel aquelas estruturas luxuosas, aquele edifício bonito e tudo mais, mas na verdade, não é bem assim (risos).
Um hotel, é todo espaço ou estabelecimento hoteleiro que se destina a oferecer alojamento e alimentação a quem o visita. Os hotéis antigamente não eram esses que nós temos hoje, então, todo espaço, por mais humilde que seja, desde que tenha esses serviços implementados, alojamento e alimentação, é um hotel. Porque existem classificações de hotéis!
Para além dos hotéis que nós temos de 5 estrelas, 7 estrelas, temos hotéis de 2 e 3 estrelas. Temos as pensões, hospedarias, os resorts, os apegues, temos uma vasta gama de estabelecimentos hoteleiros. Também podemos ter espaço de restauração e não exatamente de hotéis, aqui em Luanda temos um espaço de restauração famoso, temos a Chicala e o Calumbo, agora Icolo e Bengo, são espaços de restauração. Isso por quê?
Antigamente os restaurantes não eram espaços físicos, restaurantes eram nomes de pratos. Ou seja, as pessoas comiam restaurantes. O senhor Boulanger, deu esse nome porque a sopa que ele vendia restaurava as energias, então, antes da revolução industrial, os operários iam à fábrica para trabalharem e depois do trabalho iam à estalagem ou à taberna do senhor Boulanger, porque eles sabiam que quando tomassem àquela sopa, estariam com as energias restauradas. Só que depois da revolução industrial a mão-de-obra passou a ser mínima, por causa das máquinas.
Ele sentiu a necessidade de fazer outros pratos, achou melhor mudar o nome do seu espaço, porque era uma taberna que vendia restaurantes e passou a ser restaurante que vendia outros pratos.
Agora, tocando na questão do destino turístico… Destino turístico é todo local que serve de história para uma determinada população, todo espaço que habita um povo e o têm como histórico, é um destino turístico. Podendo ser natural ou artificial!
Em Angola temos muitos destinos turísticos, desde naturais e artificiais. Alguns dos naturais que eu aprecio muito são as Quedas de Kalandula, as Pedras Negras de Pungo Andongo, as Praias e o Miradouro da Lua. Já os artificiais, nós temos, o Monumento dos Tombados Desconhecidos, na Baía de Luanda, e os Museus…
A Hotelaria e o Turismo precisam necessariamente andar juntos?
Pese embora sejam águas separadas, mas, não se podem separar… Houve um tempo em que o nosso governo criou três áreas para este sector: Ministério da agricultura, Hotelaria, Turismo e Ambiente. Posteriormente eles perceberam que não dá certo, porque para se fazer turismo precisamos da hotelaria. O turista precisa estar bem acomodado, precisa ser alimentado devidamente… Não podes fazer um pacote turístico sem implementar os serviços de acomodação, transporte e alimentação. Então, hotelaria e turismo andam de mãos dadas, não tem como separar.

Quais são as províncias que consideras serem seguras para as pessoas LGBTs poderem fazer turismo?
Digamos que o estigma nas outras províncias é em escala reduzida… Mas eu acho que existe sim espaço seguro, como por exemplo, nas províncias de Benguela, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte, Malanje e Huíla, talvez Huambo também um bocadinho. Nessas províncias eu acredito que podemos encontrar segurança, tal como temos uma mínima em Luanda.
Felizmente, a minha área de formação é como toda e qualquer área… Devemos ser profissionais, não devemos tratar ou ter comportamentos diferentes de acordo com a raça, orientação sexual e tudo mais. Nós temos a obrigação de tratar as pessoas como são, não pode haver discriminação e desrespeito, nós atendemos as pessoas da melhor forma possível.
O povo do sul é um povo muito acolhedor, é um dos povos mais acolhedores em Angola, principalmente as crianças. Não são tão homofóbicos, vamos dizer “atacantes”, são mais abertas, porque é sempre bom quando eles vêm turistas nos locais.
Como vês o estado actual das unidades hoteleiras e dos espaços turísticos em Luanda?
Em Luanda, as coisas não estão tão boas. Já esteve melhor! Actualmente estamos numa fase muito decadente em que os que estão a trabalhar na área não são formados para o sector. Isso, vai automaticamente dificultar aquilo que é realmente o trabalho prestado.
Acho que ainda há uma situação de trabalho análogo a escravidão porque, há hotéis que têm políticas muito desumanas, se assim posso dizer. Exigem tanto do funcionário que o que eles pagam acaba por não compensar o esforço aplicado.
E ainda temos a escala de 6 dias de trabalho e 1 dia de folga. Tu ficas preso no hotel durante uma semana.
No turismo, o nosso sector é muito vasto, temos hotéis, restaurantes, pontos turísticos e agências de viagens. Mas, aqui em Angola infelizmente as nossas agências não são propriamente agências, actualmente, são locais que vendem vistos, porque o real papel que deviam fazer não fazem, que é vender pacotes turísticos para conhecer Angola. Numa escala de zero a cem acredito que só duas agências é que de facto fazem isso, vender pacotes atractivos para as pessoas conhecerem Angola.
Os nossos museus, principalmente o museu da escravatura, que é de grande importância para a nossa história, infelizmente, o mesmo não tem tido uma boa manutenção. Está a degradar, não há controle, não há políticas para preservar aquele espaço que seria (ou é) um marco histórico do nosso país.
Que olhar tens sobre o turismo em Angola?
O turismo em Angola está a caminhar em bom caminho. Por exemplo, de 2010 a 2015, as províncias que mais fazia turismo em Angola era Luanda e Benguela. Actualmente, há mais pessoas à procura de outros locais em outras províncias, apesar de que a maior parte é estrangeira, porque nós angolanos não damos muito valor a o que é nosso. Mas agora há mais abertura, há mais vontade de nossa parte em querer saber mais, já há províncias tidas como locais turísticos, a exemplo as províncias do Namibe, Huambo, Huíla e Uíge, embora, as condições que o nosso país oferece, tanto em terra como aérea, não são das melhores.
Mas o turismo em Angola está a andar bem! Quem sabe daqui a mais 5 anos, teremos o turismo como um dos sectores principais na diversificação da economia do país.
De que maneira as nossas unidades hoteleiras e os espaços turísticos podem contribuir no desenvolvimento da economia local?
O turismo atrai investidores! Por exemplo, um investidor estrangeiro que vem para Angola , avalia as possibilidades de investir no país. Caso ele decida investir, esse acto vai gerar empregos, esses empregos vão ajudar a sustentabilidade de muitas famílias angolanas, e também vai ajudar o erário, porque ele terá que pagar imposto ao estado.
Se o investidor quiser colocar alguma empresa na zona do Icolo e Bengo, automaticamente terá que fazer uma reformulação na zona, terá de colaborar com as autoridades locais para se instalar uma rede de energia e de água. Se não tiver asfalto, terá que colocar asfalto, porque os seus hóspedes não vão querer andar em terra batida , logo, vai gerar desenvolvimento nas zonas rurais. Os que não conheciam passam a conhecer, e provavelmente terá um morador daquela zona que decidirá abrir uma janela aberta ou uma cantina.
Geralmente, devia ser assim, quem investe naquele local, deveria recrutar as pessoas daquela circunscrição…
O que podemos esperar do Divaldo nos próximos anos?
Penso em ser um agente de viagem e abrir um restaurante angolano. Gerar emprego, porque eu acho que a vocação para quem faz esse curso, é gerir. Nós nos formamos para gerir empresas e eu acho que Angola precisa de agências de viagens de verdade.
Temos um número considerável de jovens Queer empregados nas unidades hoteleiras e espaço turísticos de Luanda?
Sim! Na verdade, eu acho que nós comandamos o sector hoteleiro e de restauração (risos), não só em Luanda. Mas afirmo principalmente Luanda porque pude visitar vários postos hoteleiros e de restauração aqui, e eu digo que é o nosso espaço (risos).
Que conselho gostaria de deixar para os jovens que pretendem ingressar no mercado da hotelaria e turismo?
Se realmente é o que querem fazer, façam. É difícil? É!
É um curso que requer muitos gastos, desde o primeiro ano até o término são muitos gastos. Se não tiverem ninguém para pagar as propinas, vão para o Agostinho Neto. Tentem se inscrever em bolsas de Estudos, porque aqui em Angola também temos. É um curso muito rico, tem muitas saídas.