Hoje, é bastante comum encontrarmos essa afirmação, feita principalmente por alguns Pan-africanistas, em alguns lugares da internet.
Mas, será mesmo que a diversidade sexual e de género eram inexistentes nas sociedades africanas antes da chegada do homem branco?
Apresentamos alguns estudos que provam o contrário.
Segundo o antropólogo alemão, Kurt Falk, que descreveu sobre a vida entre duas pessoas do mesmo sexo em “algumas tribos angolanas” em 1923. Os grupos étnicos Wawihe e os Ovingangellas, tinham níveis diferentes de práticas e aceitação do amor entre pessoas do mesmo sexo. O antropólogo escreveu que “entre os Wawihe não somente os jovens, mas também os homens adultos se gratificavam dos relacionamentos sexuais homoafectivos”. Kurt, ainda esclarece que “a existência deste tipo de atração geralmente era negada na presença de estranhos como ele, mas após ficarem bem conhecidos e acostumados com ele, a maioria dos homens admitia que tinham um parceiro sexual masculino. A linguagem usada tinha várias palavras para caracterizar a diferença entre amigo não sexual e amigo sexual“.
Já entre os Ovingangellas, existiam rituais bem elaborados para um homem poder pedir ao pai de um outro homem pela sua mão, dando em troca algum presente.
Geralmente, o pai concordava, e daí, os dois homens eram reconhecidos como duas pessoas em um relacionamento. Eles também se mudavam juntos numa cabana própria, como um verdadeiro casal.
Infelizmente, pela falta de estudos/pesquisas sobre a diversidade sexual (pois, são muito poucos os estudos já feitos até hoje sobre a diversidade sexual nas tribos africanas, principalmente nas tribos angolanas, antes da colonização) na cultura angolana (o que convém para o sistema patriarcal essa ausência de estudos), essa realidade foi apagada da cultura angolana na época da colonização europeia. Nos incutindo obrigatoriamente as normas e leis bíblicas cristãs deturpadas, favorecendo assim, o projecto de colonização da sociedade angolana..
Mas essa diversidade sexual não estava limitada apenas em Angola. Os antropólogos Stephen Murray e Will Roscoe, no livro BOY-WIVES AND FEMALE HUSBAND’S (STUDIES IN AFRICAN HOMOSSEXUALITIES), apresentam evidências claras que sustentam que, por toda a história de África a homossexualidade tem sido uma constante e lógica característica das sociedades africanas.
“Marc Epprecht, publicou um livro em 2004, intitulado “Hungochani: A História de uma Sexualidade Dissidente na África Austral“, onde nas primeiras páginas do livro, há uma imagem pintada por San Bushmen(Bosquímanos), “datada de pelo menos dois mil anos atrás” e retrata “o que parece ser três homens envolvidos em relações sexuais anal, além de dois casais masculinos, em abraços frente a frente, enquanto no outro um dos parceiros guia um pênis erecto em direção ao traseiro do outro“- Asor Otsenre
O Rei Mwanga II do antigo reino de Buganda, actual Uganda, era conhecido como “O Rei Gay“, por ter tido e mantido no período do seu reinado, relações homossexuais com os seus súbditos masculinos.
Murray e Rescoe no livro BOY-WIVES AND FEMALE HUSBAND’S afirmam que, “inúmeros relatos também indicam que nas sociedades altamente segregadas por sexo em África, comportamentos e relacionamentos homossexuais era muito comum entre pares, tanto masculinos como femininos, especialmente nos anos que antecederam o casamento heterossexual. Essas relações, foram identificadas com termos específicos e estavam em diferentes graus institucionalizados na sociedade“.
Poucas pessoas sabem (e algumas preferem fingir não saber) que, as relações íntimas entre duas mulheres e dois homens já existiam nas sociedades tradicionais africanas.”A verdade é que, como em qualquer outro lugar, o povo africano expressou uma ampla gama de sexualidades. Longe de trazer a homossexualidade com eles, as forças cristãs e islâmicas lutaram para erradicá-la. Ao desafiar os sistemas sociais e religiosos indígenas do continente, eles demonizaram a homossexualidade em África, abrindo caminho para os tabus que prevalecem até hoje“.- Asor Otsenre
No final da década de 1640, um militar holandês documentou Nzinga Mbandi, Rainha e Guerreira angolana do reino do Ndongo, que governou como “Rei” ai invés de “Rainha”, vestida como um homem e rodeada de pessoas visivelmente masculinas e transvestidas como mulheres, que foram suas esposas.
Hoje, diversas pesquisas realizadas no continente berço (África), demonstram a existência de interações homoafectivas em distintos contextos africanos, tais como os estudos de Stephen Murray e Will Roscoe (1998), Charles Gueboguo (2006) e Neville Hoad (2007), como também, os relatórios da associação Lambda (2010 e 2013), e os ensaios de Thabo Msibi (2014) e Achille Mbembe (2014).
Murray e Rescoe, defendem que “a homossexualidade existe em África há milénios, sendo uma prática pré-existente à colonização europeia, tendo nomes e formas específicas conforme a região e contexto histórico”. Nas culturas Swahilis da África Oriental, a prática é conhecida como Mashoga, Mabasha, e Magai, entre homens e, Wasagaji, Mkelimune, entre mulheres”.
Msibi argumenta que, em muitos contextos africanos, a existência de homossexuais, e, de outras categorias de indivíduos que se envolvem em relações afectivas com pessoas do mesmo sexo, tem sido marcada pela negação brutal e pelo silêncio.
Os pesquisadores aqui mencionados, são unânimes em afirmar que o discurso sobre a homossexualidade em África foi imposta pelo mundo ocidental, sendo que as primeiras leis contra a sodomia foram impostas pela colonização europeia nos territórios africanos, assim como o ideal de família patriarcal e heterossexual (sendo que antes da chegada do ocidente, África era matriarcal), instituída pelo cristianismo e reforçada mais tarde, com o advento do marxismo, movimentos que retrata(va)m de forma negativa a homossexualidade.
Realçar que, é importante perceber que os costumes e a diversidade sexual em África foram demonizadas e apagadas pelo o ocidente, destruindo a nossa essência e nos obrigando a aprender os costumes bíblicos cristãos deturpados por eles. As culturas, ou costumes, africanos não surgiram há 50 ou 80 anos atrás.
Fontes: Boy-Wives And Female Husband (Studies In African Homossexualities), esQrever, Research Gate.