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Acredito que já ouviu a falar sobre a emblemática sigla “LGBTQIAP+” em algum lugar, quer pelos meios de comunicação ou em rodas de conversas com amigos, parceiros e familiares.
Mas, se nunca ouviu a falar sobre, não se preocupe, terei todo prazer de explicar-lhe! Entretanto, as questões que não se querem calar são as seguintes: Como a sigla LGBTQIAP+ surgiu? Como actualmente ela está?
A sigla LGBTQIAP+ designa diversas minorias sexuais e de género em resposta ao tamanho do espectro e das demandas da comunidade. Assim, como reza a história, a sigla LGBT (como até pouco tempo era usada em Angola) entrou em uso na década de 1990. Até no final de 1980, a sigla era conhecida por LGB, o que deixava para atrás pessoas Trans.
Apesar da comunidade lutar contra as imposições de padrões e a favor da expressão livre de género e de relação afectiva e sexual, sem a relevância de se enquadrar em algum grupo, o aumento da sigla é importante, pois do ponto de vista político e de lutas sociais, é necessário visibilizar as especificidades de cada minoria.
Mas, para o psicólogo clínico, Pedro Sammarco, em seu artigo `LGBTQIAP+: Entenda o que Significa a Sigla´, publicado em 2022, “na década de 1990, a sigla mais utilizada pelos movimentos em defesa dos homossexuais era a GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Entretanto, com o crescimento do movimento contra a homofobia, a sigla GLS foi logo alterada para GLBS (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Simpatizantes)”.
Evolução da sigla LGBTQIAP+
Mais tarde, na década do século XXI, a ordem das letras foi invertida, a fim de dar maior visibilidade às mulheres lésbicas. Passou então, a ser LGBT.
A sigla LGBTQIAP+ passou a incluir outras identidades e orientações sexuais, como Queer, intersexo, assexual, pansexual, entre outras.
LGBTQIAP+ representa a busca por aceitação, igualdade e representatividade. O uso correcto da sigla é um passo importante para promover a inclusão e o respeito na sociedade.
Aliás, vale ressaltar que tais segmentos foram, principalmente, definidos pelas ciências biomédicas e sociais, e sofreram diversas alterações no decorrer dos anos.
É de extrema importância, perceber que a sigla LGBTQIAP+, como nós a conhecemos, não se aplica para todos os países, porque há países que a sigla está muito mais avançada em comparação aos outros. Tudo isso, deve-se por factores históricos, culturais, sociais, políticos e as lutas de resistência que muitas vezes não são universais.
Há exemplos vivos de alguns países, como é o caso de Angola, Brasil, Portugal e Estados Unidos da América, sobre a não universalização da sigla LGBTQIAP+.
Em Angola, ainda não há um consenso mútuo sobre a evolução da sigla em causa, porque alguns activistas Queer independentes e organizações, alguns optam por dizer LGBTQIA+ ou então, LGBTQI+ e outros chamam de LGBTQIAP+, aproximada ao do Brasil.
Outrossim, é caso do Brasil que teve um avanço significativo na sua sigla, chamando-a comumente de LGBTQIAPN+, ao passo que Portugal reconhece a sigla LGBTQI+. Já os Estados Unidos da América (EUA), teve uma enorme evolução na sigla desde 2018, e, actualmente é chamada de LGBTQQICAPF2K+.
Uso da sigla LGBTQIAP+ em Angola
Em conversa com activistas Queer e membros da comunidade LGBTQIAP+ angolana, a fim de emitirem as suas opiniões relactivamente ao uso da sigla LGBTQIAP+ no contexto angolano, percebeu-se que ainda não há uma discussão entre eles, concernente ao uso da sigla acima mencionada. Isso, deve-se por conta dos contextos educacionais, sociais e sobretudo culturais.
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“Eu acredito que no contexto angolano faz mais sentido utilizarmos a sigla LGBTQI+. Eu acho que a sigla tem muito a ver com as reivindicações que queremos levantar na actualidade, porque se usarmos a sigla LGBTQI+, nós estamos a dizer que entendemos que as pessoas intersexuais também têm que começar levantar. E, outras realidades não fazem jus ao nosso contexto actual, como por exemplo, o caso das pessoas assexuais, não vemos muita representação de pessoas assexuais, temos também o caso de pessoas pansexuais, que são realidades que trouxemos do contexto brasileiro.
Para mim, eu acho que faz mais jus pararmos e dizer: `Até agora, o que temos demais comum é isto, mas também existem outras realidades que não são tão comuns entre nós, mas que vamos fazer esse exercício de, obviamente, alargarmos´.
É impossível a pessoa entender sobre a comunidade LGBT se ela nunca teve acesso à informação positiva sobre a comunidade LGBT. Entendermos também isso, vai nos fazer contextualizar o nosso activismo, não tendo várias frustrações. Eu acho que quem entra para o activismo sem perceber o contexto angolano, vai se frustrar muitas vezes, porque vai perceber que muitas coisas vêm da base, educação”.– Emercio dos Santos
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“Na minha opinião, a sigla LGBTQIAPN+ é uma sigla que as pessoas ainda estão a se familiarizar. Nós, dentro da nossa comunidade e na nossa sociedade angolana em geral, temos ainda uma falta de informação, não temos um programa mais amplo e abrangente de informação.
A informação que as pessoas têm sobre as siglas, sobre a diversidade a nível de orientação sexual e identidade de género, é algo que parte de cada um, buscando e lendo através dos seus próprios interesses. Apesar de que muitas organizações em suas redes sociais vão sensibilizando os seus seguidores, mas, ainda temos pessoas na sociedade em geral, e em particular dentro da comunidade, que ainda não estão muito familiarizadas com o que elas próprias são, com a sua realidade.
Portanto, também existe essa dificuldade para entenderem essa dificuldade através da sigla, e, também para poder explicar as outras pessoas contribuindo na sensibilização, na reeducação, na mudança de mentalidades e na compreensão sobre a nossa existência, sobre o que realmente somos e sobre a nossa realidade dentro da nossa sociedade em particular.”- Imanni da Silva
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“Fico um pouco receoso ao falar sobre a sigla por causa da sua progressão, e a cada ano que passa aumenta em termos de identidade de género e orientação sexual, o que de certa forma, no ponto de vista geral é positivo, porque isso indica que a comunidade LGBTQIAP+, é abrangente e inclusiva, mas, o acréscimo parece que também pode demonstrar uma fragilidade em termos de consistência do próprio movimento em si. E, em Angola, entre as pessoas LGBTQIA+ ainda se fala pouco sobre a sigla, sobre as orientações e as identidades de género existentes na sigla, as próprias pessoas desconhecem ainda alguns termos o que torna às vezes, difícil a compreensão de como vemos as outras pessoas LGBTs no que diz respeito na questão de expressão e a sua identidade de género como tal.
Falando também da progressão da sigla, eu noto muito que as terminologias das palavras, afectam muito o modo como as pessoas vão olhar para aquilo. Por exemplo, eu olho para a sigla e reflito: Será que estamos todos encaixados lá? Será que daqui há 2/6 meses vai progredir? E como essa progressão pode afectar o nosso activismo? Estaremos preparados para podermos acudir a todo esse andar que a sigla vem demonstrando de lá para cá?
Por outra, hoje por exemplo, em Angola, não temos uma sigla ou um nome que pode identificar pessoas gays. Claro, usamos o termo `Pang´ (riso), que é um termo abrangente que pode englobar gays, pessoas transexuais femininas. Mas, não temos uma que pode identificar pessoas trans masculinas, então, por isso que eu noto que a sigla é positiva, mas ao mesmo tempo, pode criar barreiras em como as pessoas se revêm nas suas identidades.
Não seria viável fazermos um investimento maior para podermos descobrir termos que se usavam nas aldeias para pessoas Queer africanas, para poder ser base da nossa sustentabilidade quando nós encararmos pessoas que são extremistas que encaram a sigla como uma imposição!?
Parece que a fragilidade está aí. Os termos como não são de origem africana, cria também instabilidade na própria sigla, porque as pessoas desconhecem, quer entre a comunidade quer e entre a sociedade no geral, por exemplo, desconhecem muitas vezes os termos, e criam barreiras também na perspectiva como os outros grupos veem as pessoas LGBTQIA+
As pessoas limitam-se no LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros, trasvesti e transexuais), outros são desconhecidos, até o termo Queer em Angola passou a ser usado há pouco tempo… Agora, fala-se muito das pessoas intersexuais entre a comunidade LGBT, principalmente pelos activistas, porque ainda se desconhece muito sobre as pessoas intersexuais, e por mim, seria o grupo que precisaria ser mais falado, porque sofrem muito estigma e discriminação por conta da sua condição biológica.
Usa-se só a sigla LGBT, mas, indo de acordo com aquilo que tenho observado aqui no país, ficaria LGBTQI+. Mas, as pessoas limitam-se no LGBT, mas, nós ficaríamos na sigla LGBTQI+ porque eu falava das pessoas Queer, que hoje se auto-afirmam cada vez mais em Angola, e também, há pessoas intersexo que se afirmam cada vez mais. Então, por mim, ficamos com a sigla LGBTQI+ sem desconsiderar outras orientações e identidades de género respeitando todos com conhecimento das pessoas e com a dinâmica em que nós estamos.” – Austina (Agostinho Quilongo).
“Eu penso que o nosso contexto ainda não nos permite usar uma sigla tão complexa, quanto a esta aqui, apesar de que é uma coisa desejada independentemente do contexto ou não, porque se formos a ver, se nós negarmos a sigla, seria também negar a existência dessas pessoas. Mas, defendo que se usarmos apenas o LGBT+ já seria óptimo, porque no final de tudo, as outras letras da sigla basicamente não passam de aspecto das mesmas pessoas. Por exemplo, eu sou um homem gay e sendo gay, já sou automaticamente Queer, porque uma pessoa Queer é alguém que não se identifica com os padrões de género, padrões sociais e padrões que nos são impostos.
Para começar, ser Queer inicialmente é isso aqui, mas, actualmente, tem mudado para uma coisa muito mais específica que é muito complicado de explicar agora como se usar o termo Queer, intersexo ou assexuais. Eu posso ser gay e ser assexual…eu acho a sigla importantíssima e não invalida a sexualidade dos outros, mas, se usarmos só LGBT+ acho que já se dá conta de todo recado. Mas, depois vem a parte da explicação e dos conceitos todos, mas, até ali penso que já é bom (riso)!
Então, neste contexto, estamos bem `atrás´ na discussão e que há um trabalho a ser feito e estamos a avançar minimamente, em comparação com os outros países africanos.”- Edmilson Manuel
Como hoje está a sigla LGBTQIAP+ em Angola?
Em função das opiniões dos activistas e membros da comunidade Queer angolana entrevistados, a sigla LGBTQIAP+ está a progredir a cada dia que passa, merecendo uma atenção especial na nossa sociedade angolana, por conta da existência das pessoas correspondentes as últimas letras da sigla.
Já está na hora, de darmos visibilidade as outras letras que estão depois da letra `T´. Queira eu, acreditar que também existem pessoas assexuais no nosso país, talvez precisamos de mais pesquisas de campo para que cheguemos a veracidade dos factos.
Então, como está hoje a sigla Queer em Angola? Essa é uma pergunta que, como deu para perceber, precisa ser ainda mais discutida dentre as pessoas da comunidade. Não fique surpreso se em algum artigo da Queer People encontrar a sigla LGBTQIAP+ ao invés de LGBT, a constância faz o costume.
Ainda existem pessoas Queer e heterossexuais nas nossas comunidades, que desconhecem o real conceito de cada letra afeto à sigla. Entretanto, segue-se a definição da sigla LGBTQIAP+
Lésbica
Mulher que é atraída afectivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo ou género .
Entretanto, com o desenvolvimento dos estudos de sexologia, bem como os movimentos feministas na Europa e nos Estados Unidos da América no século XX, a lesbianidade tornou-se mais reconhecido.
Gay
Homem que é atraído afectivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo ou género.
O termo “homossexual” surgiu com uma conotação negativa. Essa foi uma terminologia imposta no século XIX pelas ciências biomédicas para designar quem sofria um “desvio” patológico.
A partir da década de 1960, com o advento da Revolução Sexual, o termo “gay” começou a se popularizar.
Bissexual
É aquele que sente atracção romântica ou sexual por homens e mulheres. Portanto, ainda existe um estigma que essas pessoas estão confusas.
Todavia, não devemos ter nenhuma dúvida de que a bissexualidade é algo real. Aliás, diversas pesquisas demonstram que não existe essa desorientação. Nesse sentido, os estudo apontam que os bissexuais olham, aproximadamente, o mesmo tempo para imagens dos dois sexos ou géneros.
Trans
É aquela pessoa que não se identifica com género/sexo ou físico biológico que lhe foi atribuído ao nascimento.
Desse modo, o termo é utilizado como um “guarda-chuva”, que abrange uma gama de identidades e expressões de género que podem estar fora da daquilo que é considerado tradicional.
Queer
São pessoas que não se identificam e não se rotulam a nenhum género, e nas ideias do padrão heteronormativo.
Intersexuais e Intergéneros
São pessoas que nascem com diferentes tipos de variações biológicas em suas características sexuais, ou seja, que não se encaixam nas típicas definições de feminino ou masculino.
Assim, intersexuais são todas aquelas pessoas nas quais os factores que definem o sexo biológico – cromossomos, gônadas, hormônios e órgãos externos e internos – está variado em condições diversas.
Dessa forma, é difícil realizar a classificação binária de seu sexo biológico (em sexo feminino ou sexo masculino). Aliás, a medicina já mapeou mais de quarenta estados de intersexualidade.
Assexual e Arromânticos
É aquela pessoa que não sente desejo sexual, ou que não sente atracção sexual por nenhuma pessoa.
Entretanto, isso não significa que ela não pratique sexo, beije e abrace em nenhuma circunstância. Inclusive, ela pode ter atracção romântica por outro indivíduo, bem como gostar de toques e ter o desejo de estar em um relacionamento afectivo.
Hoje, a assexualidade é compreendida como um amplo espectro que reúne diversos níveis de ausência de atracção sexual e romântica. Portanto, devemos ter cuidado antes de fazer afirmações.
A propósito, a atracção romântica é diferente da atracção sexual. A primeira diz respeito ao desejo de ter um relacionamento amoroso e praticar actos românticos, enquanto a segunda está ligada à vontade de ter contacto sexual com outras pessoas.
Pansexual
São indivíduos que se sentem atraídos afectivamente e/ou sexualmente por pessoas independentemente do seu género.
É importante frisar que, o pansexual é diferente do bissexual, é como se o pansexual saísse dessa zona entre o feminino e o masculino, podendo sentir-se atraído pela variação que existe entre os dois géneros.
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O símbolo “mais” no final da sigla aparece para incluir outras identidades de género e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo, mas, que não aparecem em destaque antes do símbolo.
Apesar do nosso Código Penal Angolano até o momento reconhecer que, ninguém deve ser discriminado com base na sua orientação sexual, e ainda não integrar outras minorias sexuais, isso, não impede de enaltecermos no dia-a-dia a diversidade sexual que há no nosso país.