Nascido no dia 15 de Fevereiro de 1964, no clã Kisule em sua aldeia ancestral de Nakawala, Uganda, David Kato Kisule foi um professor e activista pelos direitos LGBTQIAP+ no Uganda que, lutou até no último dia de sua vida pelos direitos das minorias sexuais daquele país.
Conhecido como “o pai do movimento pelos direitos LGBT”, e, considerado o primeiro homem ugandense abertamente Homossexual. David recebeu o nome de “Kato” por ser o mais o novo dos gêmeos… Estudou na Universidade de Kyambogo e lecionou em várias instituições escolares no Uganda, incluindo o Nile Vocational Institute em Njeru, que posteriormente foi demitido, sem nenhum benefício, após se aperceberem da sua orientação sexual, em 1991.
Após se assumir para o seu irmão, John Malumba Wasswa, David Kato passou a lecionar em Joanesburgo, África do Sul. Sendo influenciado pelo fim da proibição da Sodomia na era do apartheid e pelo crescimento dos direitos LGBT na Africa do Sul, em 1998 Kato regressou para o seu país natal e decidiu se assumir Homossexual em público, por meio de uma conferência de imprensa. David foi preso após anunciar que era Gay, e foi mantido sob custódia da polícia por uma semana.
Após o seu regresso no Uganda, David Kato se envolveu fortemente na defesa pelos direitos das minorias sexuais daquele país, se tornando um dos fundadores da organização SMUG, Sexual Minorities Uganda, em 3 de Março 2004.
Em 2009, após a sua intervenção, onde falou sobre os direitos das pessoas LGBT e da atmosfera anti-LGBT no Uganda, na conferência consultiva sobre direitos humanos, financiada pelas Nações Unidas, Kato e seus colegas no SMUG, tiveram que deixar a conferência de imediato depois de ouvirem que possivelmente David Bahati MP, principal proponente do projecto de Lei Anti-Homossexualidade no Uganda na época, teria ordenado ao inspector Geral da Polícia que prendesse Kato e seus colegas.
David Kato deixou o seu emprego como professor para se concentrar em seu trabalho no SMUG, em 2010, por conta dos eventos em torno do projecto de Lei Anti-Homossexualidade no Uganda. No mesmo ano, Kato recebu uma uma bolsa de estudos de um ano no Centre for Applied Human Rights no Reino Unido, um centro que oferece bolsas de estudo para activistas de direitos humanos vulneráveis e ameaçados.
CASO ROLLING STONE E A MORTE DE KATO
A história de vida de David Kato Kisule tomou um caminho drástico após o seu nome ter sido mencionado pelo tablóide ugandense, Rolling Stone (o tabloide não tem relação m com a revista americana Rolling Stone), em um artigo divulgado em 2010, onde foi apresentada uma lista de 100 indivíduos, cujo o tablóide alegava serem LGBTs, e que deveriam ser executados por serem Homossexuais. O mesmo artigo, foi publicado com as respectivas fotos de cada indivíduo mencionado, bem como, os seus endereços.
Kato e mais duas colegas do SMUG, Kasha Nabagesera e Pepe Julian Onzima, que também foram mencionadas na lista da Rolling Stone, processaram o tablóide com o objectivo de força-lo a parar de publicar nomes e fotos de pessoas que acreditavam ser LGBTs. Em 3 de Janeiro de 2011, Kato e suas colegas ganharam o processo, e o tabloide foi condenado a pagar para Kato, Kasha e Pepe, um valor de 1,5 milhão de Ush (moeda local do Uganda) a cada um.
O editor-chefe do tabloide, Giles Muhame, chegou de comentar na epoca “não vi a liminar do tribunal, mas a guerra contra os gays vai e deve continuar. Temos que proteger os nossos filhos dessa afronta Homossexual suja”.
Após 2 semanas, do tribunal sentenciar a favor de Kato e suas duas colegas, no dia 26 de Janeiro de 2011, por volta das 14h, depois de falar ao telefone com Julian Pepe, David Kato foi brutalmente agredido por um desconhecido em sua propria residencia, onde foi atingido na cabeça duas vezes com um martelo. Kato morreu a caminho do hospital geral de Kawolo. Os colegas de Kato observam que Kato havia dito sobre o aumento nas ameaças e assédio desde a vitória no tribunal, e, acreditam que sua orientação sexual e seu ativismo foram o motivo do seu assassinato.
Joe Oloka-Onyango, que trabalhou com Kato no processo judicial, chegou a dizer que: “é uma coisa muito estranha de acontecer no meio do dia”, e sugere pré-meditação. De acordo com os relatórios do The New York Times e do Sydney Morning Herald, questões foram levantadas sobre o assassinato estar ligado à sexualidade de Kato. A Human Rights Watch e a Anistia Internacional pediram uma investigação aprofundada e imparcial sobre o caso e a proteção dos ativistas LGBTs.
O funeral de David Kato aconteceu no dia 28 de Janeiro de 2011, em Nakawala, e foi marcado por momentos de consternação e reprovação.
Colegas e amigos de Kato compareceram no funeral com t-shirts a combinar onde constava a fotografia de kato, os dizeres em português “A Luta Continua” e as cores da bandeira LGBTQIAP+. O pastor cristão anglicano, Thomas Musoke, inicialmente se negou em fazer a missa e a dar a última benção a Kato quando se apercebeu que Kato e seus colegas são LGBTs. Posteriormente, o pastor fez uma pregação contra as pessoas LGBTs presentes, os comparando com Sodoma e Gomorra e os condenando ao inferno (segundo a sua religião), ato que teve o apoio dos residentes. De imediato, os activistas retiraram o microfone do pastor Thomas e o obrigaram a se retirar do local.
“Não viemos aqui para lutar! Viemos enterrar o nosso amigo. Você não é o nosso juiz! Já que ele foi para Deus, seu criador, quem somos nós para julgar Kato?”. Gritava Kasha, após ter recebido o microfone das mãos do pastor.
Após as falas do pastor Thomas Musoke, os aldeões se recusaram a envolver-se com o enterro do corpo de David e não o acompanharam até a sua última moradia. O serviço ficou a cargo apenas dos amigos de David, que levaram o seu caixão até o túmulo, na floresta atrás da casa de seus pais… E, coube ao bispo Christopher Senyonjo, excomungado pela igreja anglicana por apoiar a comunidade LGBT, dirigir o enterro e dar a última benção a David (o mesmo foi impedido de dizer algumas palavras enquanto o funeral decorreia em casa dos pais de David Kato).
“Você pode ser diferente de mim! Eu mesmo sou Heterossexual. Não sou LGBT. Mas eu conheço as pessoas LGBT, respeito-os pelo que são e acredito que vão para o céu. Eu sei que as pessoas têm desanimado mesmo não indo à igreja, porque estão sendo abusadas. Como descobri hoje, as pessoas estão abusando deles… Por favor, não desanime. Deus criou você, Deus está do seu lado… Este é o evangelho que estou a pregar”. Pregou o bispo Christopher Senyonjo
“Minha igreja não gostou do que eu disse, porque eles querem que eu condene. Mas deus me mostrou que não. Deus me mostrou que Cristo não discrimina ninguém… Sou livre porque conheço a verdade! E eu defenderei essa verdade. Então, por favor, oramos pela alma de David Kato”. Encerrou o bispo.
Enquanto terminavam o enterro, um mensageiro chegou, dizendo que os Homossexuais seriam apedrejados em seus carros, ou pior, se não fossem embora. “este era exatamente o tipo de coisa contra qual David lutou durante toda sua vida – a incapacidade de ser reconhecido como Gay para não ser atacado por quem você é” – Sarah S. Kilborne, do site SLATE.
Tal situação demonstrou que ninguém está a salvo do julgamento social e político no Uganda, a morte de David Kato foi a cemente para o movimento LGBTQIAP+ no Uganda se tornar mais presente nas ações sociais e politicas. Hoje, a lei que condena a Homossexualidade com pena de morte foi aprovada no Uganda, uma lei da qual David Kato lutou contra todos os dias enquanto respirava. E por conta desta lei, é que é de extrema importância contar e divulgar a história de David Kato, e juntos lutarmos para que os direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ sejam respeitadas.
Ninguem deve, e nem merece, ser morto por conta de sua orientação sexual ou identidade/expressão de género… A luta continua!
O presente artigo teve o apoio da Embaixada do Reino Unido em Angola.
Quando a educação for libertadora, a humanidade vai aprender a respeitar a diversidade!